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14/07/2003 - 04h10

Santiago de Compostela desenha história em camadas

do enviado especial da Folha de S.Paulo à Espanha

A catedral de Santiago de Compostela, um dos principais pólos de peregrinação católica do mundo, é um verdadeiro convite a equivocadas interpretações históricas. O que se vê de fora reflete muito pouco da relevância arquitetônica da igreja.

A julgar pela abundância de ornamentos retorcidos da fachada, por exemplo, está-se diante de uma obra barroca. A conclusão é em parte correta: as duas torres que dominam o conjunto datam do século 17, quando essa escola arquitetônica estava no auge na Europa. Mas essa é apenas uma parte da história, a mais recente e não necessariamente a mais importante, já que imponentes construções barrocas como essa não são raras no continente.

A catedral tem uma história pregressa. A fase barroca se sobrepôs a uma edificação românica, que, iniciada no século 11, demorou cerca de 130 anos para ficar pronta. O período marcou o ápice dessa escola arquitetônica, que contrasta com o barroco pela sobriedade de sua concepção, marcada por arcos, pelas paredes maciças e pelas poucas janelas.

A simplicidade da arte românica está presente no pórtico da Glória, logo na entrada da catedral. Datado do século 12, esse conjunto de esculturas tinha um sentido didático para a população da época, em grande parte analfabeta. Dispostas em três colunas, as figuras contam histórias bíblicas, do Antigo ao Novo Testamento, do Gênesis ao Apocalipse. Pela primeira vez, os fiéis podiam visualizar, esculpidos em pedra, os principais personagens da história do cristianismo.

A atenção do visitante, porém, não recai apenas sobre a imagem de Cristo ou sobre a do próprio Santiago. Destaca-se, entre as figuras, a do apóstolo Daniel, não por sua importância na hierarquia da igreja, mas por ostentar aquele que é considerado o primeiro sorriso retratado na arte românica --até então os artistas não captavam expressões faciais em suas esculturas. A obra é de autoria do mestre Mateo, que assina o trabalho ao incluir no conjunto uma escultura dele próprio.

A catedral de Santiago é superlativa até nos detalhes. O incensório, por exemplo, é o maior do mundo. Preso na cúpula, pesa mais de 50 quilos e precisa da força de oito homens para ser balançado sobre o altar principal, de uma ponta à outra das duas naves laterais. Hoje em dia, o turíbulo é usado só em ocasiões especiais, como em 25 de julho, dia de Santiago, mas na Idade Média o bota-fumeiro tinha utilização frequente.

Sem uma grande quantidade de incenso, o ar na catedral se tornava irrespirável devido à presença de centenas de peregrinos que lá chegavam depois de caminhadas de até dois anos sem se lavar, como era o costume.

A visita à catedral vale a viagem. Para quem não tiver muito tempo e quiser ter uma visão geral do interior, o melhor ponto de observação é a partir da parte posterior do altar-mor, onde se encontra uma imagem de Santiago. A tradição é abraçar o santo por trás, momento em que se vê a igreja do alto. Mesmo abstraindo-se o sentido religioso do ritual, a perspectiva do conjunto compensa a eventual espera na fila.
A catedral de Santiago é importante pelo que mostra e pelo que esconde.

O templo camufla uma outra camada de história: a da sua origem. A
construção românica foi erguida no mesmo local em que havia uma capela do século 9º, destruída pelos Exércitos mouros que tomaram a cidade. Essa igreja, cujo tamanho era equivalente ao do atual altar-mor, nasceu de uma lenda.

Depois da crucificação de Cristo, o apóstolo Tiago deixou a Judéia para pregar na Galícia. Poucos anos depois, de volta à Palestina, foi decapitado no ano de 44 por ordem de Herodes. Seu corpo teria então sido levado para a península Ibérica. Segundo a lenda, oito séculos depois, em 813, um ermitão localizou seu túmulo num local indicado por uma chuva de estrelas (o "Campus Stellae", campo de estrelas, que dá origem a Compostela). O impacto da descoberta na população levou o rei a mandar construir no local uma igreja em homenagem a Santiago. As supostas relíquias do apóstolo se encontram na cripta da atual catedral.

Deixando-se a igreja pela frente, volta-se à praça do Obradoiro, de onde se admira a catedral de perto. A insuficiência do espaço e as dimensões da catedral, porém, podem dificultar a apreensão do conjunto todo num só olhar --uma sensação parecida com a de alguém que se senta na primeira fileira de um cinema com uma tela muito grande. Por isso, o conjunto arquitetônico também deve ser observado de longe.

A melhor vista é a do parque Carvalheira de Santa Suzana, contíguo ao centro histórico. Afastando-se um pouco mais, na mesma direção, chega-se ao hotel Palacio del Carmen, que funciona num antigo convento. A visão da catedral a partir daí vale a caminhada de dez minutos.


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