Crítica Ópera
Música supera direção cênica sem brilho em versão de 'Otello'
A movimentação da projeção é gratuita, às vezes ostensivamente invasiva, e não estabelece elos com a música
"E tu me amavas pelas minhas desventuras, e eu te amava pela tua piedade", canta Otello no dueto de amor do final do primeiro ato. No quarto ato, a desventurada Desdemona implora por piedade antes de ser sufocada pelo marido.
Mais do que a ótima adaptação do libretista italiano Arrigo Boito (1842-1918) para a tragédia de William Shakespeare (1564-1616), é a música de Giuseppe Verdi (1813-1901), que conecta os dois trechos.
A música da ópera segue melancolicamente em direção ao desenlace trágico. Como um credo mórbido, o conhecido drama precisa ser consumado, mas Verdi parece lamentar que tenha de ser assim.
O fluxo musical é ininterrupto, sem cortes entre o cantar quase recitado e as melodias ariosas. Frequentemente o canto é interrompido --como o amor do casal--, cabendo à orquestra complementar o que falta às personagens.
A renovada Orquestra Sinfônica Municipal tem se apresentado muito bem nas óperas, especialmente quando, como neste caso, atua sob a direção do titular John Neschling. Há mais homogeneidade no grupo, e o som das cordas esteve muito bonito na estreia, na quinta-feira (12).
O tenor americano Gregory Kunde tem a voz ideal para Otello, e o refinamento delicado da soprano croata Lana Kos cresceu junto com a infelicidade de Desdemona.
Ao dizer "tema, meu senhor, o ciúme", o alferes Iago intoxica Otello com o veneno de seu próprio conselho. Foi bom ver o barítono brasileiro Rodrigo Esteves conduzindo o drama no papel do antagonista.
A concepção do diretor cênico Giancarlo del Monaco, entretanto, fica aquém da realização musical. Vestidos de preto (a exceção é Desdemona), com óculos escuros e capas imitando a franquia de filmes "Matrix", os cantores se movimentam em um palco vazio, tendo ao fundo projeções de estrelas, planetas e satélites.
A utilização de poucos elementos cênicos pode --como ocorreu em direções recentes de Daniele Abbado, Bob Wilson e Livia Sabag para o próprio Municipal-- enfatizar música e texto, mas não é o que ocorre: a movimentação da projeção é gratuita, às vezes ostensivamente invasiva, e não estabelece elos estruturais com a música.
Verdi trabalhou profundamente sobre o drama de Shakespeare para revelar sentidos que se desdobram ao longo dos tempos. O desafio segue atual para nós.
OTELLO
QUANDO 14, 17, 18, 21, 24 e 27/3, às 20h; 15 e 22/3, às 18h
ONDE Theatro Municipal, pça. Ramos de Azevedo, s/ nº, tel. (11) 2626-0857
QUANTO R$ 50 a R$ 120 (ingressos esgotados para 14 e 15/3)
CLASSIFICAÇÃO 10 anos
AVALIAÇÃO bom