Gaspar Noé filma pornô com historinha
Sensação no festival de Cannes, 'Love', do cineasta de 'Irreversível', traz sexo explícito em 3D e com sentimentos
Diretor franco-argentino reclama dos sistemas de classificação indicativa: 'Pornografia hoje está em todos os cantos', afirma
Dois dias após a concorrida sessão de "Love", que deixou centenas de pessoas do lado de fora no Festival de Cannes, em maio, o diretor Gaspar Noé ainda comemorava a recepção. "Não devia ter ido à última festa da noite", disse o franco-argentino.
Apesar de não ser um exemplo de simpatia, Noé não chega a ser rude. Mas é isso que se espera do enfant terrible cineasta de "Irreversível" (2002), uma espécie de estrela do rock que faz questão de incomodar seus espectadores.
"Love", que estreia nesta quinta (10) no Brasil, segue esse roteiro. É um filme em 3D e pornográfico ao extremo, mesmo que o diretor não aceite o adjetivo. "Não fiz um pornô. Não há sentimentos em pornôs. Você nunca vê as pessoas se beijando, as mulheres menstruadas ou pelos púbicos. São artificiais e não têm nada a ver com a vida real."
O diretor conta que "Love" não é um "filme escandaloso, mas provocante e divertido" e "almeja o real" ao contar a história de um estudante de cinema norte-americano (Karl Glusman) que mergulha em uma relação obsessiva com a misteriosa Electra (Aomi Muyock) até ficar com a namorada (Klara Kristin).
"Não diria que é totalmente romântico, mas melancólico. O personagem principal tenta acreditar em algo ao mesmo tempo em que falha em acreditar em si mesmo", filosofa Noé. "É um filme sobre decepções, uma história de amor na terra do prazer."
Apesar das semelhanças com o personagem principal, o cineasta afirma que não é uma representação de seu alter ego. "Ele tem partes de mim e de estudantes de cinema que andavam comigo. Ele gosta de cinema, mas é obcecado por garotas", diz Noé.
Essa obsessão foi o que atraiu o diretor a contar a história, que teve custo de US$ 3 mi e foi coproduzida pelo brasileiro Rodrigo Teixeira.
"O amor é um vício autodestrutivo. Existe algo na química que seu cérebro libera quando você está apaixonado e isso te deixa maluco", explica o cineasta, que não criará versões mais "leves" para nenhum mercado.
"Por que mudaria para os EUA? Não me importo com eles. Estão do outro lado do oceano", alfineta o sujeito que filma cenas de sexo explícito e usa o 3D para captar ejaculações e penetrações que podem chocar o público.
"Seria estúpido censurar meu longa. O sistema de classificação é ultrapassado. Nos anos 1970, você podia controlar as imagens que as pessoas acessavam, mas hoje pornografia está em todos os cantos. Um garoto de 18 anos vê sexo hardcore na internet todos os dias. Se for proibido, ele terá mais vontade de ver o filme."