De MG, amadores vigiam astros perigosos
Grupo de amigos bancou o único observatório do hemisfério Sul de asteroides que podem se chocar com a Terra
Há um ano em operação, telescópios em Oliveira (MG) já acharam 11 asteroides com rotas próximas à da Terra
Tirando dinheiro do próprio bolso, um grupo de astrônomos amadores de Minas Gerais está ajudando a proteger a Terra de asteroides potencialmente perigosos.
Há um ano, Cristóvão Jacques, João Ribeiro e Eduardo Pimentel inauguraram o Sonear (sigla inglesa para Observatório Austral para Pesquisa de Asteroides Próximos à Terra). Instalado em Oliveira (MG), pequena cidade a 150 km de Belo Horizonte, ele tem sido a única linha de defesa contra bólidos celestes visíveis só no hemisfério Sul.
A essa altura, o observatório já descobriu 11 asteroides cujas órbitas se aproximam da Terra --em dois casos perigosamente até, embora sem risco imediato de colisão.
Além disso, foram descobertos outros 10 asteroides localizados no cinturão entre as órbitas de Marte e Júpiter. Isso sem falar nos dois primeiros cometas descobertos no Brasil, por brasileiros, com telescópio nacional.
Jacques, físico que atua na construção civil e pratica a astronomia de forma amadora (ou seja, sem ser pago para isso), lidera a iniciativa.
Ao lembrar a primeira descoberta, em janeiro de 2014, mostra à reportagem da Folha um e-mail de congratulações enviado pelo coordenador do setor responsável pelo controle de asteroides na IAU (União Astronômica Internacional). "Vocês têm o céu do sul todo para vocês."
Explica-se: praticamente todos os esforços sistemáticos de busca por esses objetos estão no hemisfério Norte.
Do lado de cá do equador, a única potencial concorrência ao Sonear, o observatório de Siding Spring, na Austrália, interrompeu suas buscas.
A infraestrutura do Sonear começou com um telescópio de 450 mm de diâmetro, fabricado sob encomenda no Brasil. A ele se somou um segundo equipamento, menor, fabricado pela empresa americana Celestron. Os amigos já gastaram mais de R$ 100 mil.
"O João [Ribeiro] financiou a construção, e eu financiei os equipamentos", diz Jacques. "A grana é do nosso bolso."
Operados remotamente, eles perscrutam o céu tirando fotos sucessivas de determinadas regiões, em busca de pontos de luz em movimento.
Um software analisa as imagens e separa potenciais descobertas, já descartando objetos previamente catalogados, com órbitas conhecidas.
Nem tudo que o computador separa é um novo achado, contudo. Após a triagem automática, o trio precisa passar pelas imagens pessoalmente e fazer uma análise para confirmar que não se trata de um alarme falso.
O passo seguinte é reportar a possível descoberta à IAU, para que outros astrônomos possam apontar seus telescópios para lá e confirmá-la. Só então o asteroide ou cometa entra na lista oficial.
Um aspecto curioso disso é que muitos asteroides são descobertos e depois perdidos, por falta de acompanhamento. Além dos novos objetos, o Sonear já encontrou dois asteroides "perdidos".
O sucesso anima os astrônomos amadores, mas eles garantem que esse é só o começo. "Ainda há muita coisa por fazer", diz João Ribeiro.