Entrevista Richard Dawkins
Por covardia, Ocidente critica mais o cristianismo do que o islã
PARA BIÓLOGO, QUE FALA HOJE NO FRONTEIRAS DO PENSAMENTO, VIOLÊNCIA MAIOR DE EXTREMISTAS MUÇULMANOS E MEDO DE PARECER RACISTA ALIMENTAM TABUS
O biólogo britânico Richard Dawkins, 74, participa, nesta quarta (27), do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento em São Paulo, cujo tema é como promover a tolerância e a cooperação no mundo de hoje.
Fiel à sua verve polêmica, porém, Dawkins faz questão de ressaltar que, sob seu ponto de vista, não há lugar para a religião nesse projeto.
Autor do clássico de divulgação científica "O Gene Egoísta", Dawkins é capaz de explicar a teoria da evolução com clareza ímpar. No entanto, sua cruzada contra as religiões é que realmente o catapultou para o estrelato.
Em entrevista por e-mail, ele fala sobre seleção natural e lamenta o fato de que muitos intelectuais do Ocidente temem criticar o islã ou se envolver com outros temas politicamente incorretos.
Folha - O tema deste ano do Fronteiras do Pensamento é "Como Viver Juntos". As religiões, das quais o sr. é um grande crítico, não teriam um papel nesse objetivo, desde que seus aspectos violentos sejam rejeitados?
É importante incentivar a cooperação e o altruísmo, mas creio que a melhor maneira de fazer isso é pelo ensino de princípios morais, e não pela religião.
As partes boas da religião podem ser justificadas por outros meios, enquanto as ruins têm de ser rejeitadas. Os critérios para decidir que partes aceitar e rejeitar só podem ser critérios não religiosos, então o mais lógico é remover a religião do cenário de uma vez. Mas não por meios violentos ou ditatoriais, claro.
O sr. está cansado de responder a perguntas sobre religião?
De fato, fico um pouco impaciente quando jornalistas só me fazem perguntas sobre religião. A maioria dos meus livros é sobre ciência.
Por outro lado, acho que é um dever dedicar algum tempo para debater como achar uma cura para esse mal.
Em 2013, o sr. foi criticado por dizer no Twitter que havia mais ganhadores do Nobel do Trinity College, da Universidade de Cambridge, do que entre todos os muçulmanos do mundo. O sr. acha que certos temas são tacitamente proibidos nas universidades? E por que é tão fácil para pensadores ocidentais criticarem o cristianismo, mas não o islã?
Foi um erro. A versão original da minha postagem comparava todos os muçulmanos do mundo com todos os judeus do mundo. Achei que isso poderia ser ofensivo por causa do problema Israel/Palestina, e troquei "judeus" por "Trinity College". O que soou ainda mais ofensivo!
Sim, acho que existem esses assuntos tabus, e é algo que lamento, porque as universidades deveriam ser refúgios da liberdade de ter pensamentos novos e potencialmente impopulares.
Por que é mais aceitável criticar o cristianismo do que o islã? Uma razão pode ser a mera covardia física: hoje, extremistas muçulmanos são mais violentos do que extremistas cristãos. Mas acho que outra razão é o medo liberal de ser considerado racista. É preciso, porém, repetir que o islã não é uma raça.
Seu livro mais recente é uma autobiografia. Ele mudou de alguma forma a maneira como o sr. vê sua vida? O que faria de diferente?
Foi interessante ter esse olhar sobre o passado e conversar com minha mãe, que tem 96 anos, sobre memórias da minha infância.
Não tenho certeza sobre o que faria de diferente, mas acho divertido citar o poeta John Betjeman. Quando perguntaram a ele se estava arrependido de algo, sua resposta imediata e sem hesitação foi "não fiz sexo o suficiente".
Como as forças da seleção natural atuam sobre a espécie humana hoje? É possível dizer que a evolução humana, em certo sentido, chegou ao fim?
É verdade que muitas das pressões da seleção natural que levaram à nossa evolução hoje são menos "afiadas": a medicina moderna faz com que hoje seja difícil morrer sem se reproduzir antes, caso você queira.
As diferenças em relação a esse fator -- a vontade de se reproduzir -- são hoje mais importantes do que diferenças na capacidade de sobreviver para se reproduzir. Se existir um componente genético por trás dessas diferenças, temos seleção natural, por definição.
Mas as pressões seletivas que surgem daí provavelmente são transitórias demais para terem significado evolutivo. Não acho que a evolução humana chegou ao fim, mas as forças que a propelem hoje são menos fáceis de entender.