Mela panela
Era para ser moleza: peixe ao forno com tomate e ervas. Mas temperei com açúcar, com afeto, tanto o peixe quanto o tomate
Pesquisas mostram que quase não há pesquisas sobre mulheres que não sabem cozinhar. Talvez porque o assunto ainda seja tabu.
Um estudo da BBC, de 2011, apontou que uma em cada seis mulheres britânicas não sabia fazer um bolo e uma em cada 20 se atrapalhava para cozinhar um ovo. Os dados foram anunciados como alarmantes pela imprensa local.
Na primeira aula, aprendem-se muitas coisas sabidas pela maioria dos amantes da prática culinária: que a gema pode ter restos de clara, mas a clara é proibida de carregar vestígios da gema; que é saudável colocar o cabo da panela para dentro do fogão; que branquear vegetais, ao contrário do que o nome sugere, é deixá-los mais coloridos. Ah, também aprendemos o que é fouet. Já podem rir.
ASSUSTADOR
Comecei me arriscando na torta de ricota. A clara em neve espirrou na parede, e a farinha, no chão. Me dei conta de que não havia assimilado o truque para quebrar o ovo e passei minutos pescando traços de gema na clara.
Mas, no fim, a torta saiu --douradinha, firme e gostosa. E as primeiras cobaias me deram coragem para enfrentar arroz-feijão-bife. Tem gente que não faz ideia do quanto esse cardápio pode ser assustador.
Claro que não deu tudo certo. Uma parte do feijão ficou meio queimada e parte do arroz grudou na panela. Noves fora, tudo ficou comestível e ninguém pediu pizza no final.
A segunda aula se pareceu ainda mais a uma terapia coletiva. Uma aluna foi impedida pela mãe, cozinheira experiente, de entrar na cozinha. Outra foi viajar e levou todos os ingredientes para a torta de ricota (menos a forma) e acabou servindo pão com ricota aos convidados.
Uma nova obviedade se revela: meus erros tinham a ver com o fogo. Logo, virei uma obcecada, perguntando o tempo todo: "Fogo alto ou baixo?". Viro, então, a "moça do fogo", acompanhada pelo "moço do tempo", que questiona a todo o momento: "Quanto tempo no forno/ fogão/ geladeira?"
A professora explica um detalhe importante: "Você paga pela aula de culinária e ganha de graça um tratamento de controle de ansiedade".
É preciso paciência para cozinhar, esperar e respeitar os tempos, ficar feliz se der certo ou se conformar se não der. E seguir tentando. Mais ou menos como a vida.
Muita coisa mudou no último mês: meu forno já não guardava livros. A conta de gás triplicou. E não preciso mais lavar louça nos jantares por falta de outras aptidões.
A aparência ainda carecia de certa sofisticação, mas tudo bem. Gastronomia, dizia Millôr Fernandes, é comer olhando para o céu.
Meu aproveitamento vinha em 100% até que resolvi explorar outros fogões. A receita era para ser moleza: peixe ao forno com tomate e ervas. Mas temperei com açúcar, com afeto, tanto o peixe quanto o tomate.
Não me abalei: ao fim de cinco semanas, tinha aprendido a fazer bife, arroz, feijão, suflê, frango assado, macarrão, panquecas, tortas e afins. E a colocar sal e açúcar em recipientes "diferenciados".
Não transmiti a nenhuma criatura o legado daquela minha miséria. Degustei sozinha o peixe agridoce.
Agradeci às professoras por nunca darem respostas cretinas para minhas perguntas imbecis e aos colegas de curso pelos olhares de compaixão quando revelei minha primeira gafe culinária. E agradeci também a Jacquin, a Fogaça e a Paola por não estarem lá para me eliminar.