Estica e puxa
No Brasil, a relação antiga com a cana resultou em paladar adorador de açúcar; país é o terceiro maior consumidor e produtor de balas
Em mármore gelado, jogue a calda fervente de leite de coco e açúcar. Ainda quente e mole, puxe, dobre e puxe novamente até que ela fique brilhante e aerada. Depois, corte uma a uma com a tesoura.
"Acertar o ponto da calda não é tão simples", diz Danielle Andrade, confeiteira que faz balas de coco recheadas sob encomenda, em São Paulo.
Essa receita, muitas vezes, é de família. Roberto Júnior aprendeu a fazer com dona Beca, sua avó, as balas que hoje vende em Sorocaba (a 99 km de São Paulo).
"Ficava na barra da saia dela desde os cinco anos, roubando uma ou outra bala", diz. "Aprendi com ela a fazer balas que derretem na boca, têm sabor de coco e são tão bonitas que sairiam na capa de uma revista." A bala tradicional custa R$ 25 o quilo e pode ser enviada para outros Estados.
Segundo o antropólogo Raul Lody, no cenário em que o açúcar é incorporado ao Brasil e misturado aos elementos nacionais, as receitas artesanais e domésticas têm papel fundamental. "Nelas estão as sabedorias tradicionais. Esse acervo culinário está na variedade de doces que referenciam o brasileiro de diferentes regiões, contextos sociais e culturais", conta ele.
A mesma técnica caseira de puxar a bala ainda quente, usando um gancho na parede, pode ser vista em lojas de balas artesanais de São Paulo.
"Os mais velhos ficam entusiasmados com o processo semelhante ao da bala de coco. Existe um apelo emocional na fabricação. Já vi quem se emocionou", conta Fred Gavioli, proprietário da Rock Candy.
A feitura é tão atraente que a loja estabeleceu horários diários de visitação para que o público possa ver a produção.
Foi esse fabrico artesanal que encantou Mariana Charf, em 2009. "É um pouco Fantástica Fábrica de Chocolates'", diz a arquiteta que trouxe a espanhola Papabubble para cá.
Na produção artesanal de balas é tudo feito à mão, da mistura de ingredientes na panela ao corte. "Elas podem mudar de tamanho e de cor; ser mais azedas ou mais doces; mais ou menos aeradas. O produto está sempre sendo olhado."
Mas da "fantástica fábrica" espanhola nem tudo vale para o Brasil. "Sabores florais não funcionam aqui, como balas de lavanda. Em compensação, temos 24 sabores de frutas: é a loja do mundo que mais tem opções", diz Mariana.
No modo artesanal de fazer, a produção de 40 quilos diários (cerca de 1,2 tonelada mensal) contrasta com a industrial adotada na popular Juquinha, por exemplo. A fábrica produz mensalmente cem toneladas.
"Com o mesmo maquinário já chegamos a produzir 600 toneladas. Vendíamos para todo o Brasil e mais de 60 países", conta Giulio Sofio, proprietário da marca.
O italiano, que responsabiliza a economia pela diminuição da produção, comprou a fábrica em 1982, de um português. "A produção de balas começou na década de 1960, em uma cozinha caseira, com massa cozida em tacho e resfriada em mármore. Senhoras embrulhavam as balas uma a uma. Com o sucesso, o dono criou a marca, batizada com o nome do amigo Juca."
A receita da bala de tutti frutti, a mais vendida, até hoje não mudou. São várias essências de frutas que a própria fábrica combina. "E o segredo está nessa combinação. Eu procurei quem pudesse reproduzir o sabor da bala fazendo uma única essência, o que baratearia o custo, mas não funcionou."