De lá do cerrado
Um dos chefs mais premiados de BH, Leo Paixão cozinha com Mara Salles em SP para homenagear região sertaneja de Minas Gerais
Antes de Leo Paixão, 33, tornar-se um dos cozinheiros mais premiados de Belo Horizonte, com seu restaurante Glouton, ele já havia passado dias inteiros debruçado sobre panelas de nozes, a despelá-las uma a uma. Sem quebrá-las. Mais horas diante de baldes de trufas a limpar uma a uma. Sem quebrá-las. Mais horas a fatiar abacaxis, alhos, échalotes. E então estava capacitado a limpar codornas e até recheá-las com foie gras.
Cumpriu essas etapas nos restaurantes de dois dos chefs mais lendários de Paris, Pierre Gagnaire e Joël Robuchon. Isso depois de largar a medicina, que lhe foi útil para entender ciência, para estudar gastronomia na França.
"A cozinha sempre foi mágica e alegre pra mim", conta Leo, que aos seis anos já dedicava seu tempo a cozinhar com o avô, químico.
Nestas quinta (27) e sexta (28), ele virá cozinhar pela primeira vez em São Paulo. Fará um menu a quatro mãos no Tordesilhas, com Mara Salles, para homenagear a biodiversidade do cerrado.
COZINHA DE PRODUTO
"O cerrado é tão único que não tem como compará-lo com nada. Minha primeira ligação foi poética, lendo Guimarães Rosa. O sertão é a vida no limite da fome, da falta de água, do calor", diz Leo.
É de Montes Claros, no norte de Minas, inclusive, que traz polpas de cagaita, umbu, cajá --frutas extraídas e comercializadas pelas comunidades quilombolas, de ex-escravos.
Foi a mesma cidade que a chef Mara Salles resolveu explorar na tentativa de ver de perto como é feita, por exemplo, a carne serenada.
Carne que, depois de levemente salgada, fica pendurada ao sereno durante a noite, por cerca de uma semana. "O clima é muito seco, conectado com o clima semiárido; e o gado, bom --come pastagem e é fresco. A carne fica muito mais saborosa", conta Mara. Na mala, ela trouxe nacos de lagarto serenado, ao lado de outros ingredientes do cerrado --charque, feijões, pequi, manteiga de garrafa...
Da sinergia entre Mara e Leo sairão pratos como o surubim defumado, com bulbo de erva-doce e emulsão de buriti; salada de tomate-do-mato (uma mistura de maracujá e tomate que tem no cerrado, que "combina gosto cítrico e doce", diz Mara) com castanha de pequi; e caviar de jiló assado direto na chama do fogo (feito só com as sementinhas) temperado com pimenta-baniwa, hortelã e azeite.
E uma sobremesa que exibe três frutas dessa região em três texturas: coulis de coquinho-azedo ("o gosto é desconcertante", diz Leo, "você come e pensa: o que está acontecendo?'"), sorvete de cagaita ("cremosa, é a cereja do sertão") e pó de buriti ("um fruto carnoso").