Nina Horta
Maria Pena. Mapena. Maricota
E quem come só alface não pode ficar na cozinha. Tinha que ir para o salão, encantar. E encantava mesmo
Maria Carvalho Pena Kalili. Muito nome para um fiapo daqueles que chegou ao bufê, menina de tudo, linda, cabelos de ouro e olhos azuis, mais um anjo magrelíssimo do que uma funcionária forte e sabida, que era o que precisávamos.
Era tão esbelta porque só comia alface. E quem come só alface não pode ficar na cozinha. Tinha que ir para o salão, encantar. E encantava mesmo. Mas por trás ia todo um trabalho de aprender a avaliar o estilo de uma casa, encomendar toda a louça, arrumar as mesas, bolar a estratégia do serviço. E foi acumulando tarefas. Responsabilizou-se pelo serviço, aprendeu a lidar com copeiras e garçons, e era brava quando precisava e suave o restante do tempo.
E com as clientes? Resolvia. Extremamente bem educada, mas isso já vinha de casa. Um sorriso só e ia fazendo o que podia para resolver problemas que não eram dela.
E quando vimos já era a gerente. A coisa de que mais gostava era bater pernas na rua. Vocês não imaginam como isso é necessário no nosso métier. Descobrir. Vidros, vidrinhos, cascas de coco, curries tailandeses, steamers individuais, pratos Fendi, o que muitas vezes queria dizer viagens ao interior.
Lembra, Maria, quando você achou em Uberaba alguém que colhia figos verdes quando eles apontavam no pé, e os fazia em calda? Uns mini-mini figos quase sem açúcar, com nozes do lado?
Tínhamos em comum um vício, pois não era amor, era vício, mesmo. De louça bonita.
Bem, um dia estava completa. Completa é jeito de falar. Nunca se está completa, o maior aprendizado é esse.
Ah, esqueci de falar do defeito. Quando enfiava uma coisa na cabeça, sai de baixo. Não havia quem a fizesse desistir. A pupila ia saindo do cercadinho, queria mostrar que podia se virar sozinha. Uma pequena mula emperrada. De olhos azuis.
Um dia a Maria se apaixonou, quis namorar e casar e ter seus filhotes. E o Kalili que a roubou de nós era um comilão cheio de amigos. Maria foi aprendendo a cozinhar para ele e para as amigas que não a deixavam em paz para dar uma mãozinha em suas festas.
Fui a um casamento que ela fez na semana passada, uma festa no campo, o que dobra ou triplica a dificuldade. Com um pouco de medo, como se comportaria a Maria num casamento grande? Ao seu lado a Nalva, nossa amiga e cozinheira de truz. Pois Jacareí tomou ares de Toscana.
Era tudo simples, sem exageros, comida boa e generosa, serviço pronto e gentil. Frescor de ingredientes, a burrata se derretia sobre os tomatinhos vermelhos. Não havia aparência de esforço, de dificuldade, foi disso que gostei mais, corria o almoço sob árvores que sombreavam a tarde quente e luminosa. Tudo nos conformes, sem correrias, sem ansiedade, parecia que o olho azul e manso da Maria domara as complicações.
Maria Carvalho Pena Kalili, estou sentindo muito orgulho de você, muito. E daquelas copeiras que cresceram junto, dos maîtres e garçons amigos. O casamento de minha neta foi seu diploma de pós-graduação. Parabéns, Maricota.