Estiagem aguça interesse de paulistanos por meteorologia
"Tem cliente ligando aflito e desesperado para saber quando vai chover", afirma meteorologista sobre a escassez de água em SP
Papo de elevador em um prédio da região central de São Paulo na última segunda (27): "Pô, Nazário! Choveu bem quando eu saí para votar". Nazário, no caso, é o sobrenome de Adilson, 64, que, sem tempo ruim, responde:
"Eu, que sabia o horário que ia chover, fui votar antes", gaba-se, com bom humor. Técnico em meteorologia, ele tem escutado mais esse tipo de brincadeira nos últimos meses --em que a escassez de água é o assunto da estação.
A falta de chuvas aumentou o interesse dos paulistanos por meteorologia. Dados do Inmet (instituto nacional de meteorologia) indicam que outubro foi o mais seco desde 1985: faltando dois dias para acabar o mês, o índice de chuva acumulada era de 25,2 mm. O esperado? 129,7 mm.
A chuva insuficiente é a mesma que não molha a região das represas do sistema Cantareira --do norte da capital paulista à divisa com MG.
Para a Sabesp, "o calor recorde e a inédita falta de chuvas desencadearam a pior crise hídrica na Grande São Paulo em 84 anos". A empresa diz que os quatro reservatórios do complexo registraram 1.090 mm de chuva acumulada no ano passado --a média histórica é de 1.566 mm.
Os números confirmam o que amigos da meteorologista Olívia Nunes, 34, da Somar, rotulavam como pessimismo. "Todo mundo estava preocupado se teria Copa, e eu, se teria água." Agora, a percepção da maioria mudou e Olívia está entre os poucos que podem responder à pergunta: quando vai chover? "Está todo mundo querendo saber", diz.
"Tem tido muita entrevista, cliente ligando aflito e desesperado querendo saber quando vai chover e como vai ser essa chuva, principalmente agricultores do interior de São Paulo e de Minas Gerais. As empresas do setor energético também têm procurado."
O síndico do prédio onde mora, nos Jardins, a convidou para participar da reunião do condomínio, na última quarta (29), para planejar o que fazer se a chuva não aparecer.
"As pessoas estão dando maior importância para o meteorologista", diz Olívia.
O sentimento de reconhecimento da profissão também é notado por Bianca Longo, 27, da Climatempo. "Está todo mundo prestando mais atenção. É importante tirarem o preconceito", diz ela, que lembra que a previsão não é bem vista por não acertar sempre.
Para resolver o problema, a tecnologia tem se aprimorado nos últimos anos. Mas, no fim, o que faz a diferença é a pessoa por trás da máquina.
"O meteorologista é tipo um médico", compara Marcelo Schneider, 41, que atua no escritório do Inmet-SP. "Você faz o exame e consulta dois, três doutores que vão analisá-lo. Aí conta a experiência e o treinamento que eles têm."
Para o professor Augusto José Pereira Filho, 54, do instituto de ciências atmosféricas da USP, a metrópole revive hoje temporadas de seca vistas no século passado.
"Em 1969, carreguei lata na cabeça para ter água em casa", relembra ele, que na época morava em Osasco.
Há um consenso entre meteorologistas ouvidos pela Folha: racionamento de água deveria ter iniciado no começo do ano. "Quando a chuva falha, tem que começar o racionamento", diz Pereira Filho.
A Sabesp considera a medida a pior alternativa para a crise e alega que "as estratégias adotadas estão corretas".