Foco
Cercado por incorporadora, grupo de teatro resiste a despejo na zona oeste de SP
Alugado há oito anos pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, galpão na Pompeia está em terreno que receberá condomínio
"Não vamos sair". Essa foi a resposta à terceira carta de despejo que o grupo de teatro Núcleo Bartolomeu de Depoimentos recebeu, em outubro.
Após oito anos como inquilinos de um pequeno galpão na Pompeia, bairro na zona oeste de São Paulo, os integrantes do grupo decidiram não deixar o espaço.
Resistente, o núcleo criou um conflito com o dono do imóvel, a incorporadora Ink.
O espaço foi adquirido há um ano pela empresa, que pretende construir ali um novo condomínio, com apartamentos que vão 32 m² a 128 m².
A incorporadora já demoliu cinco casas vizinhas à sala e cercou-a, por cima e nas laterais, com a construção de um estande de vendas.
Segundo Luiz Piccini, diretor da Ink, a ideia é começar a construir o edifício em janeiro de 2015. "Mas precisamos de um mês para a demolição. Se o grupo não sair em novembro, atrasaremos nosso cronograma", diz.
A companhia, premiada duas vezes pelo Shell, financiada hoje por edital municipal e tombada como patrimônio imaterial da cidade pelo Conpresp (conselho municipal de preservação), reclama que o inquilino deveria ter preferência --garantida por lei-- na compra do imóvel.
O antigo dono, porém, tornou-se sócio do empreendimento, com direito a apartamentos --a preferência do inquilino cai em caso de aquisição por permuta.
Roberta Estrela D'Alva, diretora e atriz do Núcleo Bartolomeu, diz que, ao ficar no galpão, o grupo encampa uma resistência ao avanço do mercado imobiliário sobre equipamentos culturais de rua.
Ela se refere a outros teatros e cinemas que passaram por situação similar, entre eles o Cit-Ecum, fechado em junho, e o Cine Belas Artes, que passou um período inativo, mas reabriu neste ano.
Neste fim de semana, o núcleo apresenta a performance "Baderna", que associa essa história à vida da bailarina italiana Marietta Baderna (1828-1870), conhecida por ter quebrado padrões do balé clássico sob influência da cultura negra.
"A Ink chamou grafiteiros [ação de marketing], acham moderno. Se usam um elemento do hip hop, por que eles não mantêm o nosso teatro, que tem elementos da cultura de rua?", diz D'Alva.
A Ink fez uma oferta: após a venda das unidades, um valor seria repassado ao grupo, como apoio. O núcleo diz que ainda não aceitou a oferta, que ficaria entre R$ 50 mil e R$ 70 mil --valores não confirmados pela Ink.
Piccini reconhece o conflito entre o cenário cultural e o mercado imobiliário. Diz que a Ink busca preservar o espaço urbano. "Mas não é porque trabalhamos com essa visão que temos de nos responsabilizar por todas as causas."