Francisco Daudt
Vigiar e punir
A civilização precisa de transparência e de consequência, assim como precisa premiar a virtude
Não é sobre Foucault, mas sobre um fato simples de nossa economia psíquica: nós nos comportamos bem em parte por convicção e em parte pelos possíveis custos de nossos "malfeitos".
Primeiro, um esclarecimento sobre economia psíquica. Tem me surpreendido que pessoas muito entendidas em finanças, economistas mesmo, chegam a mim desconhecendo que há uma economia própria de nossas mentes. São capazes de enormes ganhos pecuniários impondo-se enormes custos psíquicos. Vivem uma vida deplorável a despeito dos milhões que fazem. Investiram suas inteligências num jogo vicioso de ganância, pois não puderam (ou não souberam) investi-las na busca de uma vida bela (significa virtuosa, pois ética e estética fazem conjunto).
Em seu "O Mal-Estar na Civilização", Freud cunhou esta frase primorosa: "A virtude precisa ser recompensada nesta Terra, ou a ética pregará em vão".
Este é o pilar da economia sustentável: enquanto ela não for premiada, não decolará. Quer que a ecologia triunfe? Faça-a lucrativa.
O oposto da frase de Freud seria o bordão francês, aprendido no Sacré-Coeur, que minha mãe usava para que andássemos na linha: "Vos actes vous suivent" (algo como "Seus atos têm consequências"). Era ao mesmo tempo um aviso de que nossos "malfeitos" não ficariam impunes, mas também uma versão doméstica da hoje ameaçada Lei de Responsabilidade Fiscal. Em versão simplificada, "não gaste mais do que ganha", cuidado com a agiotagem legal (juros de cartão de crédito e de cheque especial).
A civilização precisa vigiar e punir, de transparência e de consequência dos atos que envolvem outros, assim como precisa premiar a virtude. A muitos isso parecerá adestramento de cães. Não por acaso, pois esses bichos inteligentes podem ser uns mimados insuportáveis ou uma companhia agradável, dependendo da maneira como foram criados. Se você já viu o encantador de cães na TV, percebeu o que ele faz: ensinar autoridade aos donos. É o que basta. Qualquer semelhança com a criação de filhos é completamente intencional.
Não há maior corruptor de autoridade que o sentimento de culpa dos pais. As crianças têm antenas parabólicas para detectá-lo, usá-lo, e assim tornarem-se insuportáveis.
A micropolítica familiar espelha a política de Estado: abundam "movimentos sociais" completamente mimados pelo governo. São "vítimas". Seus atos não têm consequências, não precisam de responsabilidade fiscal, e nem processados pela lei podem ser, já que se lhes permite uma inexistência legal, complacência adquirida pela bandeira do coitadismo a que se apegam.
Millôr comentou, ao ver um cartunista ser agraciado com uma bela soma do bolsa-ditadura: "E eu pensando que era idealismo. Que tolice, era investimento..."
Agora que Madame botou um monetarista da escola de Chicago como ministro da Fazenda (ou seja: é mais Armínio que o próprio), vale lembrar Milton Friedman: "Não existe essa coisa de almoço de graça".
Quero ver durar...
Mesmo que seja o velho cinismo do Lula: primeiro tempo, casa arrumada com meios "neoliberais". Segundo: gastança eleitoreira para se reeleger.