Marco achava que nunca seria morto e sonhava com o Rio
Mesmo com execução marcada, brasileiro condenado à morte na Indonésia fazia planos de voltar ao Brasil
Carioca foi pego após traficar drogas por anos entre o Rio, Amsterdã e Bali; ele falava em voltar à sua cidade
"Olha só: quando eu sair daqui, vou até São Paulo e a gente se encontra."
Preso em um país que impõe pena capital a traficantes, sem direito a recurso na Justiça e depois que dois presidentes indonésios haviam lhe negado perdão, o carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 53, fazia planos para o futuro ao falar com a Folha, por telefone, na terça (13).
Ele jamais achou que fosse ser fuzilado. Foi executado às 15h30 de sábado (17).
Voltar ao Rio, onde nasceu, era uma menção recorrente em suas conversas. Os planos de futuro apareciam em conversas com amigos e a tia Maria de Lourdes, única familiar com quem teve contato após a morte da mãe em 2010. O pai já havia morrido, e ele não tinha mulher nem filhos.
Embora sonhasse com a liberdade, o brasileiro nunca esteve perto dela desde que foi preso, há 11 anos. Para os padrões da Indonésia, país com o maior contingente de muçulmanos no mundo, seu crime era grave demais.
Em 2003, Marco tentou entrar com 13,4 kg de cocaína nos tubos de sua asa delta no aeroporto de Jacarta, capital do país. A investida ajudaria a pagar uma dívida de hospital contraída após acidente de parapente em 1997, em Bali.
Flagrado, aproveitou a distração dos policiais e escapou, até ser recapturado duas semanas depois, longe dali. Traficante de drogas por anos na rota Rio-Amsterdã-Bali, ele nunca havia sido pego.
A fuga e a captura foram parar em jornais e na TV, tanto pela ousadia do brasileiro quanto pela quantidade de droga apreendida, entre as maiores até hoje no país.
Na Indonésia, condenados à morte já tiveram a pena reduzida a 20 anos de cadeia. Mas o simbolismo do traficante brasileiro que desafiou as autoridades indonésias enterrou as suas chances.
Mesmo assim, por um período, o governo brasileiro chegou a dar como certo que Marco não seria morto. Era um compromisso firmado informalmente com Susilo Bambang Yudhoyono, presidente da Indonésia de 2004 a 2014. Marco não seria solto, mas tampouco fuzilado.
Quando Joko Widodo assumiu a Presidência, no ano passado, o pacto ruiu. O novo mandatário quis usar a morte de traficantes como símbolo da guerra às drogas.
CHURRASCO NA PRISÃO
Além de não pensar na morte, outra característica de Marco era o bom humor colegial, incompatível com sua situação na prisão.
Contava piadas, dizia fazer brincadeiras com os guardas e se vangloriava do churrasco preparado para o diretor do presídio. O otimismo contrastava com a realidade.
Marco era usuário de metanfetamina cristal, droga conhecida na Indonésia como shabu-shabu. Na prisão perdeu quase todos os dentes por falta de tratamento e estava nitidamente envelhecido.
O brasileiro se envolveu com o tráfico de drogas no início dos anos 1980, quando despontava como talento da asa-delta. Começou como "mula", levando cocaína para os Estados Unidos.
De Amsterdã, trazia skunk ao Brasil e levava cocaína à Indonésia. No país, por o tráfico ser crime passível de morte, a droga vale mais.
Antes de ser preso já havia conseguido entrar outras vezes na Indonésia. Conhecido pelos amigos como Curumim, falava com orgulho: "Sou o David Copperfield", em referência ao mágico e a sua habilidade de não se deixar ser pego.
Quando foi pego, havia ido ao Peru comprar cocaína, entrou no Brasil de barco pela selva amazônica e viajou para a Indonésia. Disse que seria sua última viagem.
Recentemente, havia relatado arrependimento e disposição para ensinar jovens sobre os efeitos da droga.