Paraná recebe nova onda de imigração de muçulmanos
Trabalhadores deixam países asiáticos e africanos em busca de emprego em frigoríficos no norte do Estado
Ao menos 9 mesquitas e casas de oração foram abertas; chegada ao Brasil envolve muitas vezes serviço de coiotes
De colonização alemã, a cidade de Rolândia, no norte do Paraná, tem pouco mais de 60 mil habitantes e um calor de 35 graus no verão. Em meio a casas em estilo germânico, produção de salame e Oktoberfest, vivem agora cerca de 200 muçulmanos, que percorrem as ruas de terra vermelha vestindo túnicas e taqiyahs (gorros de oração).
Chegado nos últimos cinco anos, o grupo integra nova onda migratória de islâmicos, que tem mudado a cara de pequenas cidades do Paraná e já provocou a abertura de pelo menos nove mesquitas e casas de oração.
"Brasil, muito bom. Tudo gente boa, trabalho. Só ruim feijão, tudo dia feijão [sic]", afirma o bengalês Abdus Samad, 29, no país há dois anos.
Os novos islâmicos são de países africanos e asiáticos, como Bangladesh, Paquistão e Gana, e fogem da instabilidade política ou da pobreza.
Em cidades como Rolândia, procuram trabalho em frigoríficos que fazem o abate halal de frangos, obrigatório para muçulmanos e feito preferencialmente por fiéis.
Antes do abate, realizado manualmente e com um único corte, é preciso dizer: "Em nome de Deus, Deus é maior".
O norte do Paraná, onde a Folha esteve, tem grande concentração de frigoríficos halal, que vêm aumentando exportação para países muçulmanos --por isso precisam da mão de obra.
Com os novos islâmicos, o Estado também é o segundo em templos muçulmanos no Brasil, só atrás de São Paulo.
Os novos imigrantes são na maioria homens, têm entre 20 e 30 anos, e trabalham com afinco. Adesivos com a inscrição "funcionário do mês" decoram a casa do bengalês Atiquer Rahman, 24.
Com o salário, eles compram celulares para falar com a família, enviam dinheiro e pagam as contas. Por causa do fuso em relação à terra natal, preferem trabalhar de madrugada, geralmente no setor de limpeza dos frigoríficos.
Muitos dividem o aluguel em até seis pessoas. Cozinham, comem no chão, por costume, e fazem as cinco orações diárias que prega o Alcorão em tapetinhos em casa. Para achar a direção de Meca, à qual devem se voltar, usam a bússola do celular.
Embora a comunidade hoje seja receptiva, no começo alguns moradores fechavam a janela quando os imigrantes passavam. Mas eles relevam o receio inicial. Dizem que os brasileiros não estão acostumados a estrangeiros, mas que, quando conhecem, "respeitam mais", como afirma o paquistanês Haji Muhammad, 36.
COIOTES
Muitos dos imigrantes chegaram ao Brasil pelas mãos de coiotes, gastando até R$ 20 mil. Em Bangladesh, havia anúncios em jornais que prometiam salários de R$ 5 mil. De avião, chegaram à Bolívia e depois atravessaram a fronteira brasileira de ônibus, a pé ou até a nado, cruzando rios.
Aqui, não viram nada da promessa de bons ganhos e emprego imediato. A maioria teve de pedir ajuda para sobreviver nos primeiros dias e, agora, recebe entre R$ 1.000 e R$ 1.500 ao mês.
Hoje, dizem que o Brasil é a sua casa. A maioria recebeu visto de permanência definitiva do governo federal.
Alguns já se renderam ao sertanejo, popular na região. Outros abrem um sorriso quando se fala em churrasco --desde que seja com abate halal e sem carne de porco.
O bengalês Sumsul Hoque Khokon, 28, que abriu um salão de beleza há duas semanas, mostra a foto do jogador Neymar. "Corto igual ele, se quiser", a R$ 10.