Crise da água
Vítima da seca, casal de SP fecha comércio e bebe água da chuva
Comerciantes da zona norte da capital sofrem há um ano com medidas de racionamento do governo Alckmin
Família de Itaquera usa baldes para buscar água de bica a 500 metros de casa; cabeleireira usa caneca e perde clientes
Quando a crise da água começou a apertar em SP no início de 2014, a casa dos comerciantes Maria Aparecida Oliveira, 45, e Filomeno de Almeida, 64, ficava com as torneiras secas a noite toda.
Um ano depois, a situação dos moradores de um sobrado na Freguesia do Ó, na zona norte, está ainda pior.
Hoje, a família se vira com apenas quatro horas de fornecimento, das 9h às 13h.
Nos últimos meses, para escapar desse caos e suprir o desabastecimento, o casal investiu R$ 8.000 numa caixa-d'água e em um sistema de captação de água da chuva.
"Só não falta água por causa de nossos esforços. Não ia dar para contar só com a Sabesp", afirma Aparecida.
A água da chuva era usada apenas para regar plantas e lavar o quintal, mas a boa aparência encorajou o casal a aproveitá-la, também, para lavar roupas e tomar banho.
Nesta sexta (27), a Folha presenciou Almeida bebendo um copo de água desse reservatório. Minutos depois, os olhos do comerciante ficaram vermelhos, mas ele alegou estar se sentido bem.
O geólogo e professor da USP Pedro Luiz Côrtes diz que não é recomendável usar a água da chuva para consumo humano ou higiene pessoal.
"Essa água deve ser usada apenas em locais em que a chuva passaria normalmente, como a lavagem de veículos e calçadas", afirmou.
A crise fez o casal interromper a produção de pães de queijo comercializados na região. "Consumia muita água. Agora, fazemos só para amigos", afirmou Almeida.
CANECA
Em Pirituba, também na zona norte, a cabeleireira Karina Rodrigues, 33, passou a usar uma caneca para lavar o cabelo de suas clientes a partir das 10h, quando começa a redução de pressão no bairro.
A medida levou o número de clientes cair mês a mês. "Ninguém gosta de passar por isso, principalmente no frio", diz a cabeleireira.
A moradora de Itaquera (zona leste) Nívea Alves, 43, disse que a redução de pressão passou de 9 para 18 horas diárias. Como a caixa-d'água de sua casa tem só 500 litros, a família de cinco pessoas busca outras opções.
"Eu, meu marido e meus dois filhos maiores buscamos água com baldes numa bica a cerca 500 metros da minha casa quando a caixa seca."
Para ela, o único ponto positivo do último ano é que a redução ganhou horário fixo. "Porque avisar que tem racionamento, ninguém avisou."