10 anos depois
Maior chacina ocorrida no Rio, que deixou 29 mortos em 2005, ainda ecoa na memória do único sobrevivente e familiares
Passados dez anos, os tiros disparados a esmo por policiais militares em um bar de Nova Iguaçu ainda ecoam na memória do único sobrevivente da maior chacina do Estado do Rio, na qual 29 pessoas foram mortas.
Parentes das vítimas e o promotor do caso, que resultou na condenação de quatro policiais a quase 600 anos de prisão, ainda se lembram de cada detalhe daquela noite de 31 de março de 2005.
Após consumirem 63 latas de cerveja, e em represália a medidas disciplinares de seus superiores, os agentes resolveram atirar indiscriminadamente contra pessoas.
Cledivaldo Humberto da Silva, 55, lembra do momento em que, sentado em um bar, foi atingido por uma bala que transfixou o fêmur.
"A sua boca seca. Dá um branco, tudo para e você entende que sua vida acabou ali. Mas respirei e virei para a minha mulher. Ela não entendeu o que havia acontecido e disse 'Eu que bebo e você que cai?'. Ela tinha bom humor. Um ano depois, ela morreu."
O nome de Cledivaldo foi divulgado como morto, para evitar novo ataque.
Ele foi transferido para outro Estado como um morto: pela porta dos fundos, em uma maca, coberto por um lençol.
"Quando vejo um policial, desvio. Tenho medo que venham atrás de mim."
O mesmo sentimento de ameaça tem o promotor do caso, Marcelo Muniz. Desde a condenação, possui segurança. Há uma semana, recebeu nova ameaça de morte. "Esse caso me marcou tanto que sei todos os detalhes."
Muniz mantém contato com Cledivaldo.
"Me marcou o fato de a carteira de identidade dele ter sido perfurada pelo mesmo tiro que transfixou sua perna. Aquele disparo foi um tiro da barbárie na cidadania e nos valores da sociedade."
O bar onde Cledivaldo foi baleado não funciona mais, nem o estabelecimento onde dez pessoas foram mortas, a maioria jovens entre 13 e 20 anos que jogavam fliperama.
No muro, ainda com marcas de tiros, uma palavra foi escrita: saudades.
A mãe de Raphael Couto, 17, virou militante, ajudou a escrever um livro e a realizar dois documentários. Anualmente, reúne familiares e percorre o trajeto feito pelos então quatro policiais.
"Foi um juramento que fiz no túmulo do Raphael, que não iria deixar a morte dele ser esquecida", afirmou Luciene Silva, 48.
"Quando soube da chacina, pedi a Deus para consolar as mães que haviam perdido seus filhos, sem saber que eu era uma delas. Fui saber no dia seguinte, quando vi a foto dele morto no jornal."