Crise da água
Volume morto faz 1 ano e vira 'reserva fixa'
Captação do fundo de represas do Cantareira duraria apenas quatro meses, mas Grande SP segue dependente dessa água
Governo paulista usou experiência cearense para obra; reservatório poderá levar anos para recuperar nível normal
No início de 2014, às vésperas de uma estiagem recorde, a população da Grande SP foi apresentada a um novo termo: volume morto.
A expressão usada para designar a porção de água que fica nas partes mais baixas das represas logo tomou as rodas de conversas.
O tal volume morto, ou a oficial "reserva técnica", acabou sendo a aposta do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e da Sabesp para abastecer 8 milhões de pessoas a partir de maio daquele ano --às vésperas do período eleitoral.
A ideia era, a partir de obras urgentes de R$ 80 milhões, usá-lo apenas durante quatro meses, até que viessem as chuvas de outubro.
Mas as chuvas não vieram, e o volume morto faz um ano sem que o governo do Estado saiba quando poderá abrir mão de uma medida que deveria ser apenas emergencial.
Nesta sexta (15), o manancial operou com 15,3% de sua capacidade. Para voltar a operar no volume útil (acima do nível original de captação), precisa atingir 22,7% --o problema é que a estiagem que vai até outubro já começou.
A CRISE
Em janeiro de 2014, com o maior reservatório da região metropolitana perdendo cada vez mais água, as projeções apontavam que, sem chuvas, o Cantareira poderia chegar a seu nível zero em junho.
"Nessa hora, em várias conversas, surgiu a ideia de usar a reserva técnica. Era algo desconhecido para nós, a gente não faz esse tipo de operação", diz Marco Antônio Barros, superintendente da região metropolitana da Sabesp.
A estatal então foi alertada sobre uma experiência no Ceará que, desde os anos 90, usava bombas flutuantes para captar água abaixo do nível útil de seus reservatórios.
Para adaptar a experiência cearense à seca paulista, a Sabesp calculou que teria que bombear 180 bilhões de litros de água. Essa era a porção necessária para abastecer São Paulo até outubro, mês que marca o início da temporada chuvosa e quando a Sabesp esperava que as chuvas elevariam o nível da represa.
Quando a obra foi anunciada, o temor de alguns era que a água do fundo das represas contivesse mais detritos e contaminantes e, por isso, sua qualidade seria pior.
Segundo o professor de hidrologia da Universidade Federal do RS e diretor da Rhama Consultoria, Carlos Tucci, o receio sobre a qualidade da água ocorre sempre quando se fala em explorar o volume morto de qualquer represa.
No caso do Cantareira, porém, as condições são diferentes. "O Cantareira é uma área protegida, então a contaminação por ocupação irregular é pequena", afirma Tucci.
Outro receio era o de que se poderia esgotar de forma quase que irreversível a represa.
Em novembro do ano passado, com o Cantareira próximo a um colapso, a Sabesp teve que explorar uma segunda cota do volume morto.
O aumento do nível dos reservatórios é o que espera Sidney Trindade, 50, dono de uma pousada e de uma marina no município de Bragança Paulista, às margens da represa. Com a seca, ele viu seus lucros caírem 70%. "Lucro, não estou tendo nenhum. Estou esperando chover."