Entrevista Deborah Duprat, 56
Escolas mostram contradições do Estado laico no país
Autora de ação que questiona ensino religioso na rede pública defende abordagem histórica
No preâmbulo da Constituição, há a mensagem de que o documento foi aprovado "sob a proteção de Deus". Na Suprema Corte, um crucifixo está afixado no plenário. A Presidência e o Congresso também exibem o símbolo.
"Vivemos essa contradição permanente", diz a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, 56, sobre princípio laico do Estado brasileiro e a manifestação religiosa em espaços públicos.
Autora de ação que questiona no STF (Supremo Tribunal Federal) o formato atual do ensino religioso na rede pública, ela defende que as aulas não devem ter caráter confessional, e sim uma narrativa histórica das religiões.
Na segunda (15), a Corte dá início ao debate em uma audiência pública. O julgamento ainda não foi marcado.
Por lei, o ensino religioso deve ser ofertado de forma facultativa na rede pública. Segundo dados de 2013, no entanto, as aulas são obrigatórias em 30% das escolas.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
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Folha - O modelo ideal de ensino religioso é pelo viés histórico?
Deborah Duprat - Há um dispositivo constitucional que não posso ignorar: de um lado, a Constituição afirma a laicidade do Estado e, de outro, a oferta de ensino religioso nas escolas públicas. O que eu posso é apenas compatibilizar esses dois dispositivos, de início contraditórios entre si. A única leitura que me parece ser possível é a que compatibiliza o ensino religioso com a perspectiva de ensino da história das religiões, e também daqueles que não professam religião alguma.
E por que isso não vigora?
Acho que por uma ausência de reflexão, de indução do Estado, de uma cobrança. Há aí uma dose de desconhecimento, misturada com práticas que vão se firmando e que são difíceis de serem abandonadas. O espaço público não pode exaltar um determinado modo de vida, inclusive o religioso.
O governo deve definir o conteúdo dessas aulas?
Com certeza, seria muito importante. Agora, é preciso fiscalização. Enquanto isso não ocorre, há uma legião de crianças em processo de formação sendo, no início de suas vidas, obrigadas a conviver com ideias que às vezes não são aceitas no ambiente doméstico, o que torna a cabeça dessa criança um palco de conflitos.
Quais as implicações do ensino religioso facultativo hoje?
Num ambiente como uma escola, isso está cercado de constrangimentos: é muito mais fácil aderir às maiorias do que se apresentar como uma minoria. É uma facultatividade que opera muito mais no plano semântico do que no plano real. Como a sra. vê essa relação entre religião e Estado?
Nós voltamos a um cenário em que aparentemente o Estado se torna refém da religião. É um ambiente em que a religião parece que está penetrando por todos os espaços. Mas eu tenho esperança de que a reação virá.