Ilustrada em cima da hora - FLIP 2015
Público vira cobaia e aplaude de pé mesa sobre ciência e Deus
Ao lado de Eduardo Giannetti, neurocientista Sidarta Ribeiro disse que humanos 'talvez vivam 400 anos'
Thiong'o e Flanagan contam como pôr leitor na mente de algoz; Casa Folha debate maconha, narcisismo e história
A Flip ficou um pouco mais cerebral na tarde desta sexta-feira (3) --e o público gostou. O neurocientista Sidarta Ribeiro e o economista e filósofo Eduardo Giannetti foram aplaudidos de pé ao fim de um debate sobre ciência, Deus, sonhos, drogas e memórias.
Desde o começo, a plateia foi instada a se manifestar. Para ilustrar uma teoria, Sidarta pediu que os presentes movessem o polegar direito.
Em outro momento, o diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte perguntou quem na Tenda dos Autores já havia consumido ayahuasca --muitos levantaram a mão.
Num ponto alto, alguém do público provocou Giannetti com uma pergunta lida pelo jornalista Bernardo Esteves, que mediava o debate: "Como você tem certeza que está se apresentando na Flip e não sonhando ou delirando?".
Ele respondeu de pronto: "Eu não tenho certeza".
"Ao contrário do que soa, não é ficção científica", afirmou Sidarta, após soltar a mais impactante das frases da mesa: "Há pessoas nessa sala que talvez vivam 300, 400 anos". Ele citou pesquisas divulgadas por cientistas que já conseguem fazer camundongos rejuvenescerem. "Vai ficar complicado num casamento monogâmico", brincou Giannetti.
SANGUE EM PARATY
Bem mais literária, a mesa seguinte reuniu o queniano Ngugi wa Thiong'o e o australiano Richard Flanagan, que em comum têm obras que abordam campos de trabalho ou de concentração e que comentaram seus esforços, como escritores, para colocar o leitor na mente de algozes.
"A Marilyn Monroe já dizia: 'Eu não engano os homens, eu deixo eles se enganarem'. A arte do escritor é nunca julgar seus personagens", disse Flanagan, cujo pai foi prisioneiro do Exército japonês na Segunda Guerra.
Thiong'o usou um exemplo mais incisivo para mostrar como a contradição dos personagens o atrai.
"Estamos em Paraty. É preciso termos consciência da história de sangue que criou Paraty. A cidade é do século 17, o que significa que o povo africano foi escravizado aqui, fez parte da força de trabalho que criou Paraty. É interessante imaginar que os homens que tinham escravos provavelmente eram pais e maridos amantíssimos, iam à igreja pedir perdão por seus pecados."
MACONHA E HISTÓRIA
Na Casa Folha, um dos debates teve como foco a maconha. O historiador Jean Marcel Carvalho França, que lança "História da Maconha no Brasil" (selo Três Estrelas, Grupo Folha), e Ilona Szabó, da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, órgão da ONU, discutiram as narrativas morais que balizaram as discussões sobre a droga até hoje.
Para ambos, a luta contra as drogas é uma causa perdida. Jean Marcel defendeu a "liberdade individual" e pôs em xeque o "mau hábito de achar que o Estado tem de legislar dentro da nossa casa".
No mesmo espaço, o filósofo e colunista da Folha Luiz Felipe Pondé traçou pela manhã um diagnóstico do que chamou de uma nova epidemia social, o narcisismo. "Quando está pensando muito em você, está mal", disse.
No último debate do dia, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo e a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, ambos com livros recém-lançados --o dele sobre a história de São Paulo, o dela uma biografia do Brasil-- e que haviam participado antes de mesas na Tenda dos Autores --ela com Heloísa Starling, ele com Carlos Augusto Calil-- analisaram de que maneiras o presente reflete o passado.