Refavela
Em pouco mais de um ano, barracos ressurgem em duas áreas que haviam sido desocupadas pela polícia na zona leste de São Paulo
Por quatro anos ela esteve morta. Caiu em 2010, depois de uma reintegração de posse que terminou em confronto. A polícia jogou bombas; os moradores, pedras. Queimada, ela deixou de existir. Não para sempre: a favela da Tiquatira (zona leste de São Paulo) renasceu das cinzas.
O terreno ficou vazio até junho de 2014. Surgiram então alguns barracos de lona. Depois, de madeira. Depois, casas de alvenaria. Hoje, são 2.500 famílias vivendo em uma das favelas que surgiram na capital no último ano.
"Chamamos de comunidade Penha-Brasil. E o Brasil no nome é para mostrar que esse é o país que deram para nós", diz o pedreiro Jailson Lima, 46, apontando para o amontoado de barracos.
Jailson nunca morou em favela. No começo deste ano, desempregado, passou de trem e viu a comunidade crescendo. "Pensei: não consigo pagar o aluguel. Vou montar o meu barraco".
Chamou a irmã, Maria Lúcia da Silva, 47, que chegou com os filhos, marido e neto. Um dos filhos montou outra casinha ao lado. E assim foi.
Além das casas, no terreno, que só tinha mato, agora há mercadinhos, lan house e uma igreja da Assembleia de Deus. Tudo em um ano.
A área de 47 mil m², a poucos metros da marginal Tietê, pertence à CDHU, companhia do governo do Estado. Ali, por muitos anos existiu uma favela.
Em 2010, a Polícia Militar retomou a posse, a pedido da Justiça. O projeto era transformar a área em condomínio popular da CDHU. Em quatro anos, com o terreno vazio, nenhuma parede foi construída.
A Justiça determinou neste ano nova reintegração, que só deve ocorrer em 2016. Os moradores estão tensos com essa possibilidade.
O costureiro boliviano Fabian Alvares, 47, pagava R$ 600 de aluguel para viver em outra favela. Teve de sair em uma reintegração. Foi para Tiquatira há cinco meses. "Era o que tinha, aqui não pago aluguel. Mas, se tiver de sair, não sei o que fazer", diz.
FAVELA DO CIMENTO
A 8 km da favela da Tiquatira, outra nova favela renasceu, entre as pistas da Radial Leste, a poucos metros do viaduto Bresser, na Mooca.
De dia, os moradores formam fila para carregar sacos de cimento. De tarde, atravessam a rua para carregar pedaços de tábua. Com elas, erguem seus próprios barracos.
São cerca de 50 famílias. Homens, mulheres, crianças e idosos ali, onde há menos de um mês só havia grama. A Radial fica de um lado. Um entreposto comercial de cimento, do outro.
A ocupação, que ressurge mesmo após ter sido retirada pela polícia, tem nome: Favela do Cimento.
É resultado do encontro de duas populações diferentes, mas em igual situação: os trabalhadores informais do entreposto que erguem pequenas barracas de lona na calçada e os moradores de rua que gravitam em torno de um centro da prefeitura –prestes a ser desativado.
Grávida de sete meses e sem emprego, Sílvia Andressa Guedes, 31, foi parar no Cimento após passar quase um ano em albergues.
Até o começo de 2014, conseguia pagar os R$ 800 de aluguel na casa de três cômodos, em Interlagos, na zona sul. Demitida e sem família por perto, buscou a rua. Ao procurar um novo emprego, descobriu outro problema.
"Que empresa aceita um albergue como comprovante de endereço?", diz. "Nenhuma, ninguém quer um morador de rua, de albergue, do que for, como empregado."
Para viver na favela, ela e outros moradores têm que seguir uma série de regras.
Brigar é terminantemente proibido, mexer com a mulher do outro é senha para ser expulso. Também é vetado o desrespeito a homossexuais.
"Se brigar, a gente vai chamar pro 'resumo' [conversa]. Se não se entenderem, vão vazar", explica Talmos da Conceição Silva, 41, um dos líderes do local.