'Corrente' de lenços ajuda mulheres com câncer a compartilhar experiências
Banco criado por atriz pela internet reúne adereços e os distribui a pacientes; peças já foram enviadas a 20 Estados e três países
Cor e alegria são duas palavras que não costumam vir à mente quando o assunto é câncer. Mas são elas, sim, que estão nas histórias de mulheres que enfrentam ou enfrentaram tratamento oncológico e adotaram lenços como acessórios nessa difícil fase.
"Se antes era mais para disfarçar a falta de cabelo, o lenço hoje é tido até como uma bandeira. Eu acho que ajuda a se sentir mais segura, mais poderosa, mesmo, nessa fase. Foi assim comigo", conta a atriz Flávia Flores, 38, hoje curada de um câncer de mama diagnosticado em 2012.
Quando ficou doente, Flávia criou uma página no Facebook para falar sobre o câncer e dar dicas de beleza para outras mulheres que passavam pela quimioterapia. Entre elas, como se produzir com o tecido, amarrado de diversas maneiras.
"Nessa rede que foi criada, eu comecei a dar lenços e a receber também. Mas a troca começou a ficar grande demais, eu não dei conta", explica. Foi então que, há pouco mais de um ano, surgiu a parceria com o Hospital Santa Paula, em São Paulo.
Nesse período, o Banco de Lenços recebeu mais de 4.000 peças, higienizadas e catalogadas. Cerca de mil já foram distribuídas a mulheres que fizeram o pedido no site www.bancodelencos.com.br.
A gerente administrativa Márcia Maria da Luz, 43, é uma delas. "Quando a oncologista me explicou o tratamento, logo me alertou do cabelo [que poderia cair]. Mas eu já me preveni. Fui procurar na internet, e aí que conheci o banco", conta ela, que descobriu o câncer de mama neste ano.
"Na mensagem do pedido, eu disse que gostaria de receber esse lenço não como um objeto, mas como uma troca de energia. Recebi com uma carta que acabou me incentivando. Um dia, esse lenço vai para outra pessoa", diz.
"Nos pedidos, as mulheres gostam de detalhar como são: características físicas, cor dos olhos, da pele. Cores que gostam, se mais alegres, mais sérias. Aí direcionamos o lenço certo para a pessoa certa", diz Paula Gallo, 42, diretora de marketing do Santa Paula e responsável pelo projeto.
Segundo Paula, são entre 60 e 80 pedidos por semana. A entrega é sempre via postal –já foram enviados para 20 Estados, além de Portugal, Espanha e Estados Unidos.
Para doar, é possível entregar a peça no hospital e em alguns pontos de São Paulo, como lojas e escolas, que se cadastraram para recebê-los. Até novembro, táxis cadastrados no aplicativo EasyTaxi também receberão doações.
AUTOESTIMA
Além de funcionar como uma corrente, no banco de lenços o adereço também ajuda na autoestima.
"O câncer tem uma capacidade de desestruturar o indivíduo, como ele se vê. Em se tratando de uma mulher com câncer de mama, isso é mais forte. Mexe com a identidade. E o cabelo tem essa questão mágica, do feminino", diz Luiz Gonzaga Leite, psicólogo que há 12 anos trabalha com pacientes de oncologia.
"O lenço passou a ser uma forma de a mulher reconstruir sua imagem, e isso possibilita um melhor enfrentamento", explica Leite.
"Ver [o cabelo] caindo foi o pior. Depois que raspei foi um alívio. Parece que dá mais coragem", lembra Cristiane Meschiatti dos Santos, 35. Ela só descobriu o nódulo na mama ao perder 55 quilos após uma cirurgia bariátrica.
Para Cristiane, o lenço deixa as coisas mais leves. "Quando você chega careca, todo mundo olha mais assustado", descreve. "E quando você coloca um colorido, dá mais vontade de colocar um brinco, trocar de roupa para combinar, passar um batom."
Diagnosticada em março de 2014 com linfoma de Hodgkin, Marcella Meneguetti, 25, hoje está curada e usa os cabelos bem curtinhos. À época do tratamento, quem a estimulou a raspar a cabeça foi a mãe, que surpreendeu a filha ao aparecer careca.
Marcella explica que não usou tanto o lenço, mas doou os seus para o banco. "Acho que cada um tem que fazer o que se sente bem fazendo. O que importa é se achar bonita, inteira. Qualquer coisa para levantar a autoestima, e claramente o lenço faz isso."