Gustavo Patu
O voto dos desiguais
Cada um a seu modo, PT e PSDB se apresentam como a superação das oligarquias com as quais se associam
Parece razoável a tese de que sociedades menos desiguais tendem a apresentar a seus governos pleitos igualmente menos heterogêneos.
Por essa lógica, eleitorados que já deixaram para trás a miséria e a pobreza concentrariam suas aspirações em melhores serviços públicos: infraestrutura mais moderna, policiamento, segurança jurídica, atendimento médico, educação capaz de valorizar o capital humano.
É uma paisagem mais propícia também para o aprofundamento da democracia, a aceitação das leis, a repulsa à corrupção.
Já onde é grande a disparidade entre pobres e ricos, há um salve-se quem puder em que os primeiros buscam programas de amparo e transferência de renda e os segundos tratam de preservar sua condição de sócios prioritários dos negócios do Estado.
Ou, como resume William Easterly em texto publicado pelo Banco Mundial, sociedades de classe média votarão por políticas que favoreçam o crescimento econômico no futuro, enquanto as muito desiguais disputarão a riqueza disponível no presente.
Essa configuração aparenta ser vantajosa para a candidatura de Dilma Rousseff. A queda da indigência e a expansão da classe média são inegáveis ao longo dos governos petistas, ainda que não nas dimensões sugeridas pela estatística e pela propaganda oficial.
A despeito dos progressos, a desigualdade brasileira permanece elevada, e o PT capitaliza a multiplicação dos benefícios assistenciais dos últimos anos tanto quanto explora os conflitos latentes entre os estratos sociais.
Para ilustrar, Dilma mantém maioria visível de intenções de voto na terça parte mais pobre do eleitorado, seja pelos méritos da política de seguridade, seja pela tolerância estoica aos pecados da classe dirigente.
Mas há também sinais de esgotamento dos resultados da ofensiva distributiva da máquina pública, associado à perda do dinamismo econômico atacada por Aécio Neves --que disputa em pé de igualdade as preferências dos remediados e lidera entre os mais afluentes.
Cálculos do Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade) apontam que a indigência ficou estável no país no ano passado, pela primeira vez em uma década. A atual prostração do setor de serviços não prenuncia avanço nos dados de 2014.
Motores da queda da desigualdade perderam impulso, como lista o economista Marcos Mendes: a era de prosperidade global alavancada pela China, a procura por mão de obra menos qualificada e os reajustes do salário mínimo.
A distância entre ricos e pobres pode se estabilizar em patamares que colocam o Brasil em alguma das 15 primeiras posições de um incômodo ranking mundial no qual as principais companhias são África do Sul, Colômbia e Bolívia, entre economias menores dos continentes africano e sul-americano.
Não é difícil notar a predominância, nessa relação, de ex-colônias tropicais ainda exportadoras de produtos primários --condições que cevaram elites arcaicas, dependentes da proteção estatal.
Cada um a seu modo, e nem sempre mantendo a coerência, PT e PSDB se apresentam como a superação dessas oligarquias, com as quais se associam em busca de apoio congressual. Como os dois partidos encabeçam a eleição pela sexta vez consecutiva, ao menos com esse objetivo os eleitores parecem concordar.