Gregorio Duvivier
Chupa, Dado
Democracia não é -ou não deveria ser- esse exercício do voto narcísico; ninguém está pensando nos outros
Fui uma criança tucana. Colava adesivos do Fernando Henrique na janela do meu quarto e na traseira do Chevette -era tucano "before it was cool". Imaginem minha euforia quando soube que o FHC, o próprio, viria lá em casa, numa festa cheia de bolinhas de queijo. Sim, o jantar de adesão da classe artística ao FHC foi lá em casa (chupa, Dado Dolabella!).
Adentrei a sala vestindo um terno de veludo cotelê e uma gravata borboleta, em pleno outono carioca -que não difere em nada do verão carioca, que não difere em nada do verão do Zâmbia. Minha mãe me pediu pra trocar de roupa: "As pessoas vão pensar que foi a gente que te vestiu assim. Tira esse terno?" Negociei, engolindo o choro: "Posso ficar com a gravata?". "Preferia que não", respondeu minha mãe.
Descambei para o comunismo -ou o que eu pensava que fosse o comunismo.
Virei representante de sala. Graças a alianças espúrias, me elegi representante geral, algo como um presidente da Câmara (na minha cabeça). Minha primeira proposta foi a liberação gradativa para o recreio. Primeiro liberariam o quarto andar, dez segundos depois o terceiro, e assim por diante, para que todos chegassem ao térreo no mesmo exato segundo e tivessem as mesmas chances de ser o primeiro na fila da cantina -os rissoles, disputadíssimos, acabavam num piscar de olhos.
Fracassei retumbantemente. Os glutões do primeiro andar não queriam perder os privilégios, os CDFs do quarto andar diziam que a liberação antecipada não era prêmio mas castigo, porque perderiam segundos preciosos de aula.
Sem base, sem alianças, sem aprovação popular, pichei o martelo e a foice na parede da escola. Até hoje nunca tinha confessado. Fui eu, pessoal.
Meu primeiro voto, aos 16 anos, foi no Lula. E ele se elegeu. Pareceu que era culpa minha. Comemorei como uma vitória pessoal. Abraçava desconhecidos na Cinelândia, num clima de carnaval fora de época.
Na prática, o PT só piorou minha vida burguesa: o aumento do IOF para compras no exterior e a maldita tomada de três pinos me dão saudades enormes dos anos 90. Aécio seria um candidato infinitamente melhor para mim, homem-branco-heterossexual-carioca-que-viaja-para-fora-do-Brasil-uma-vez-por-ano-e-faz-a-festa-na-H-&-M. Mas democracia não é -ou não deveria ser- isso que virou, esse exercício do voto narcísico, em que pastor vota em pastor, policial vota em policial e carioca vota em bandido.
Talvez por isso a democracia representativa seja um desastre. Ninguém deveria representar os outros porque ninguém está, de fato, pensando nos outros.
Confesso, que nos meus tempos de representante, tanto à direita quanto à esquerda, só pensava no rissole.