Eleições 2014
Economistas veem desconexão entre otimismo e fatos
Perspectivas para economia são mais preocupantes do que sugere expectativa positiva captada pelo Datafolha
Propaganda eleitoral de presidenciáveis pode ter ajudado a melhorar o humor dos brasileiros, afirmam analistas
Economistas ouvidos pela reportagem afirmam que há um descompasso entre as informações econômicas disponíveis e o otimismo da população com emprego, salário, inflação e a situação do país.
Um exemplo disso é o que ocorre com a taxa de inflação. Conforme a pesquisa Datafolha de terça (21), a expectativa de aumento dos preços recuou para o patamar mais baixo desde 2007: só 31% acham que o custo de vida irá aumentar ante 50% em setembro e 64% em abril.
É um sentimento em confronto com os fatos. Depois de perder fôlego entre junho e agosto, a inflação voltou a acelerar em setembro, puxada pelos alimentos. No cálculo dos últimos 12 meses, está em 6,75%, o patamar mais alto em quase três anos.
"Não basta estar empregado [para a pessoa estar em boa situação]. Se sua renda está sendo corroída pela inflação, diminui seu poder de compra e a tendência é de maior mau humor", afirma Fábio Pina, economista da Fecomércio-SP.
A instituição mede a confiança do consumidor na região metropolitana de São Paulo. O indicador de outubro mostrará queda de 2,6% da confiança em relação a setembro, e de 16,8% em comparação ao mesmo mês de 2013.
O recuo sucedeu uma ligeira melhora registrada em setembro e também captada por outros indicadores, como a Sondagem de Expectativas do Consumidor, da FVG (Fundação Getúlio Vargas), que cobre sete capitais do país.
Mesmo com a pequena recuperação vista no mês passado, os índices de confiança permaneciam em patamares históricos muito baixos.
Esse tipo de desconexão repete-se em outros temas apurados pelo Datafolha.
Para 44% dos entrevistados, a situação econômica do país como um todo vai melhorar, a melhor taxa desde abril de 2013. Mas as precisões técnicas para o PIB (Produto Interno Bruto) variam em torno de um fraco 0,3%.
Com o próprio emprego, embora em menor grau, o fenômeno é parecido.
Apesar de o desemprego continuar baixo, a geração de novas vagas caiu. Em setembro, foram criados 123.785 postos formais de trabalho, o menor resultado para o mês desde 2001. Na pesquisa, porém, só 26% acham que o desemprego irá aumentar. Eram 36% que achavam isso em setembro. E 48% em junho.
"Concretamente, não vejo nenhum sinal de melhora na economia", diz o economista Alexandre Schwartsman, colunista da Folha.
Para ele, mesmo com o desemprego em nível ainda baixo, os profissionais percebem que a chance de se recolocar em caso de demissão é menor hoje do que nos últimos anos.
A desaceleração do mercado de trabalho é consequência do ritmo lento de expansão da economia.
CAMPANHA
Analistas têm algumas hipóteses para tentar explicar as razões do descompasso.
Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino,o que melhor explica o otimismo da população é o marketing eleitoral: "Candidatos de todos os partidos, da situação e da oposição, estão há três meses dizendo que irão melhorar o Brasil. Quando não estão se atacando, estão vendendo otimismo", diz.
Paulino lembra que é preciso considerar também que nem sempre os economistas conseguem captar os sentimentos da população. "Uma coisa é o que o economista enxerga, outra é o que a população sente", diz.
Para depois da eleição, Paulino não descarta um ajuste de expectativas. "Poderá acontecer um efeito parecido com o da água em São Paulo: sem a propaganda eleitoral do governador, a ficha começa a cair, as pessoas começam a ver melhor que há problema".
O cientista político Fernando Abrucio, da FGV, entende que a propaganda política ajuda a explicar o otimismo, mas lembra que outros fatores devem ser considerados.
"Diziam no começo do ano que pessoas iriam perder o emprego e que a inflação iria explodir. A mensagem era que tudo iria piorar muito. Só que não piorou assim. O sujeito continua com seu emprego e viu que a inflação não explodiu", afirma.
Segundo ele, outro elemento importante a ser considerado é a redução do endividamento das pessoas.
"Depois dos excessos de consumo, 2013 e 2014 foram anos de pagamento de dívida. O que temos agora é muita gente chegando ao final das prestações. Então o sujeito que pode ter imaginado que iria se afogar não só manteve o emprego como está vendo que conseguirá até quitar a dívida. E vem aí o 13º, o fim de ano. Claro que ele fica mais otimista", explica.
Entre os especialistas em propaganda eleitoral, o que mais conta é a eficiência da campanha da presidente Dilma Rousseff (PT).
Para Chico Santa Rita, a ideia de "continuidade com mudanças" é apresentada de maneira mais "clara e palpável" que o discurso da necessidade de mudança.
A avaliação é parecida com a do publicitário Chico Malfitani: "Antes, falava-se muito da inflação. Saiu do foco e entrou a corrupção. Então a inflação ficou um pouco em segundo plano", disse.
"O que está na comunicação acaba sendo assimilado pelas pessoas", completou Malfitani.