Entrevista Raí
7 a 1 foi merecido e necessário
Ao completar 50 anos, ex-camisa 10 do são paulo critica gestão do futebol brasileiro
À beira do gramado do Morumbi, Raí fala de sonhos. Às vezes, ao dormir, sonha estar jogando e ouve o barulho da torcida do São Paulo.
No entanto, os novos desejos, aos 50 anos, completados na sexta (15), são de um ex-camisa 10 que hoje joga nas posições de empreendedor social e ativista político.
Raí atua pela esquerda, mas afirma que "a própria esquerda está traindo seus ideais, isso ninguém é a favor. Vejo com tristeza".
No lugar das vozes dos torcedores, agora ouve Billie Holiday e Beatles, sem esquecer Caetano Veloso.
Pai de Emanuella, 31, Raíssa, 26, e Noah, 10, avô de Naira, 15, Raí pensa na mãe como modelo de longevidadade --Guiomar tem 94 anos-- e espera chegar perto dos 100.
Nos próximos 50, sonha ser líder e capitão, como foi nos gramados. No Poder Executivo, não no Legislativo.
Sem entrar em detalhes sobre prazos, Raí afirma que pretende atuar como secretário de Esportes e, ao seu modo, treina para a função.
À Folha, o ex-craque também aponta o 7 a 1 da Copa-2014 como clara demonstração da precariedade da gestão do futebol brasileiro.
Mas a situação preocupante não o desanima. Raí quer voltar a escutar uma expressão que os torcedores na França diziam para ele nos tempos de Paris Saint-German: "Tu m'as fait rêver" (Você me fez sonhar).
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50 ANOS
"Estou muito satisfeito, [mas] tenho uma inquietação ao pensar no futuro. A expectativa longa, com muita coisa por vir, numa segunda parte da vida, com coisas mais expressivas.
Venho amadurecendo a vontade de estudar ciências humanas, aproveitar o meu envolvimento social e com políticas públicas. Quero contribuir com uma coisa maior."
AÇÃO POLÍTICA
"Estou direcionando bastante meu lado para a política no Atletas pelo Brasil. Diferentemente da Gol de Letra, que é uma ação de campo com crianças e jovens que eu adoro, o Atletas é uma ação política, de interferir em políticas públicas. Até por isso sou procurado.
Eu quero estudar mais e ter uma atuação mais direta. Já fui sondado, não convidado oficialmente, mas não era o momento. Quero estudar casos bem-sucedidos em outros países e cidades. Não me imagino em cargo eletivo, mas no Executivo, em cargo de secretário de esporte, algo assim."
MP DO FUTEBOL
"O governo tem que exigir contrapartidas, é evidente [a medida provisória do futebol propõe refinanciamento das dívidas dos clubes mediante contrapartidas dos clubes].
Tem que ser duro. Não só pelo fato de melhorar a estrutura, mas porque a qualidade do futebol brasileiro, em termos de organização, vem caindo. Isso é reflexo da gestão dos clubes, da federação, da confederação. Não dá para generalizar, mas a maior parte provou que a gestão é ruim. A questão das dívidas é exemplo da incompetência. Ficar subsidiando o que não tem eficiência não é lógico."
ESQUERDA OU DIREITA
"No Brasil, sempre estive mais à esquerda. Obviamente estamos vendo que a própria esquerda está traindo seus ideais, isso ninguém é a favor. Vejo com tristeza.
Minha esperança é que de todo esse caos político surjam soluções para um sistema em que não seja preciso se corromper para continuar no poder. Gestão social, oportunidade para as pessoas, vida digna, esses são meus ideais."
MANIFESTAÇÕES
"Nunca fui filiado a um partido, nem pretendo. Desde 2013 não fiz questão de sair [às ruas] porque achava espontâneo, legítimo, sem grandes lideranças, e isso era a beleza do movimento.
Se eu puder dar minha energia, será para influenciar e direcionar essa revolta para uma reforma política ampla, com participação da sociedade, não deixar a decisão para o Congresso."
JOGOS OLÍMPICOS
"Vai ter um impacto grande no Rio, mas muito aquém do que poderia ser.
O Brasil não se mexeu na questão do esporte em si. O país que vai receber a Olimpíada em 2016 ainda tem carência em todos os níveis de esporte, não se colocou nenhuma meta do esporte escolar ou nas cidades.
Não deveria ser só um país que recebe um grande evento, mas que reconhece a importância do esporte. Isso foi bastante decepcionante. O legado esportivo não vai ficar."
7 A 1
"Esse soco no estômago que o futebol brasileiro levou a gente ainda não registrou bem o que significa. Mas não está longe do que é a realidade em relação aos europeus. Mesmo o futebol brasileiro tendo mais recursos hoje em dia, a deficiência técnica cresceu, de organização e de formação de atletas também. Foi inacreditável. Esse 7 a 1 não está muito longe do que é a realidade da nossa gestão, do nosso futebol. Foi merecido e necessário.
ROGÉRIO CENI
"O maior ídolo da história do São Paulo é o Rogério Ceni. É inevitável. Tive oito anos de São Paulo. Ele tem quantos? Mais de 20.
Meus anos foram marcantes, intensos. Mas ele tem uma história única. Ter feito o que fez, como goleiro, os recordes, o tornam único. Na era moderna, eu passei o bastão para ele, como líder, como ídolo, e ele ampliou o que fiz. Torço para ele bater recordes e ele bateu quase todos"