Corrupção no futebol
Blindado
Apoiado pelo baixo clero da Fifa e com prestígio político na Suíça, Joseph Blatter deixa aliados pelo caminho e segue no topo do futebol mundial
Na última quarta (27), duas investigações sobre corrupção no futebol sacudiram a Suíça e a Fifa. Uma delas prendeu sete cartolas de peso e outra fez operação de busca de documentos na sede da entidade, em Zurique.
Apesar da pressão internacional, seu presidente Joseph Blatter, reeleito na última sexta (29) a um quinto mandato, não foi alvo das operações.
Até agora, o dirigente suíço se defende em cima de um fato: os dois episódios em curso não o atingem, ao menos por enquanto.
Um trata de um esquema de corrupção de US$ 150 milhões investigado pelas autoridades americanas. Outro, tocado por procuradores suíços, diz respeito às escolhas das sedes das Copas de 2018 (Rússia) e 2022 (Qatar).
Há exatos 40 anos, Blatter, então com 39, entrou para os quadros da Fifa como diretor técnico. Numa carreira de sucesso, virou secretário-geral e sucedeu em 1998 o brasileiro João Havelange na chefia.
De lá para cá, para se desvincular de acusações, deixou pelo caminho aliados de peso sob suspeita como o próprio Havelange e o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira.
Mais recentemente, o presidente da Concacaf, Jeffrey Webb, e o ex da CBF José Maria Marin, presos na quarta-feira, se juntaram ao grupo.
Como jogador de futebol, Blatter não passou de um mero coadjuvante da liga amadora do futebol suíço.
Como cartola, é acusado pelos adversários de ter se transformado numa espécie de ditador que comanda o futebol por meio de uma entidade cuja receita nos últimos quatro anos girou em torno de US$ 5,7 bilhões, obtendo um lucro de US$ 338 milhões.
BASE DE APOIO
Amigos e adversários concordam que, apesar dos escândalos, Blatter se mantém de pé, sobretudo, por dois fatores políticos.
Um é a popularidade no chamado "baixo clero" da Fifa, a maioria das 209 federações com pouca expressão no futebol e que dependem de recursos da entidade.
Entre 2010 e 2014, por exemplo, 90% dessas federações precisaram dos recursos do FAP (Programa de Assistência Financeira) --foram US$ 538 milhões desde 2011.
Os países africanos são a principal base de apoio ao dirigente suíço. Com 54 membros aptos a votar, a CAF (Confederação Africana de Futebol) é a entidade com mais cadeiras no quadro de federações da Fifa.
O seu presidente, Issa Hayatou, é quem comanda o comitê financeiro da Fifa.
Não à toa, Sam Nyamweya, presidente da Associação de Futebol do Quênia, celebrava eufórico a vitória do suíço na eleição de sexta-feira.
"Não há nenhum escândalo contra ele (Blatter) pessoalmente. Ele está limpando a bagunça. Democracia é o voto. Isso é democracia, votar em alguém", disse Nyamweya, personagem de escândalo de corrupção no seu país ligado ao sumiço de US$ 400 mil da entidade que dirige.
Ao seu lado, Barry Rukoro, secretário-geral da Associação de Futebol da Namíbia, defendia a política "assistencialista" do dirigente. "Nós recebemos dinheiro, mas é dinheiro líquido da Fifa, de programas dela. Não é um jeito de comprar votos", disse.
"A vitória dele (Blatter) é boa para a imagem da Fifa. O que vejo é que o brasileiro roubou dinheiro, o argentino, e querem culpar Blatter por isso. A Fifa não era nada antes de Blatter", ressalta.
Além da influência interna na Fifa, o outro fator que ajuda a entender sua blindagem é o status, em muitas ocasiões, comparado ao de um chefe de Estado. Sua relação com o governo suíço sempre foi das melhores. A Fifa é uma espécie de patrimônio político e financeiro do país.
Vinculada ao governo suíço, a procuradoria local disse à Folha que Blatter não será obrigado a depor na investigação sobre as Copas de 2018 e 2022. "No momento, o presidente da Fifa não é uma das pessoas a serem questionadas. Se necessário, vamos convidá-lo a oferecer informação já que reside na Suíça e, portanto, de fácil acesso", respondeu o órgão suíço.
Sobre a investigação das autoridades americanas, há quem aposte que Blatter não arriscará tão cedo pisar nos EUA, provavelmente a única ameaça à blindagem conquistada nos últimos 20 anos.