Renascido
Lenda australiana das piscinas ressurge em Kazan após vício em pílula e empurrão de Phelps
Passava das 20h em Gold Coast quando Michael Phelps avistou o ex-rival, a quem vencera e para quem perdera inúmeras vezes. Engajaram uma conversa saudosa, até que pelas tantas Phelps soltou: "Você parece em boa forma física para alguém com 34 anos. Eu acho que deveria voltar a nadar. Pense nisso."
Grant Hackett riu e prometeu considerar, para não ser deselegante. Multirecordista mundial, rico e lenda olímpica, ele não tinha muito mais a provar na natação. Fora dela, porém, vivia o inverso.
A semana em Gold Coast, cidade australiana que recebia um torneio internacional, e o elogio de Phelps o instigaram. "Eu vi as provas, lembrei do que ele me disse e pensei: 'poderia redescobrir o prazer no esporte", contou em entrevista à Folha.
Em seis meses, foi de aposentado a ativo, perdeu os quilos a mais e voltou a treinar com Dennis Cotterel, que o orientou nos seus sete pódios olímpicos e 18 mundiais.
Os segundos caíram tanto no cronômetro que Hackett resolveu arriscar-se na seletiva australiana, em abril. O inacreditável aconteceu: ele obteve uma vaga no revezamento 4 x 200 m da equipe de seu país, que disputa a partir deste domingo (2) as provas de natação do Mundial de Kazan, na Rússia.
"Estou ansioso. Tento não me pôr pressão, porque fiquei seis anos fora da natação e não esperava, de jeito algum, entrar no time", disse.
Mas entrou. Ele nadará o revezamento na sexta (7) e não parece ser tão impossível ir ao pódio com seus colegas, que são bem mais novos. "Eu acho que posso melhorar o meu tempo da seletiva."
Curiosamente, o veterano abdicou de disputar os 1.500 m livre, prova que o consagrou e lhe deu dois ouros olímpicos. Ele vai se dedicar aos 200 m e 400 m livre para tentar os Jogos de 2016. "Ir para o Rio me atrai. Nunca achei que teria outra chance de Olimpíada", afirmou.
PERÍODO OBSCURO
O retorno fulminante de Hackett inspira, mas esconde um período obscuro da sua vida. Ele formava uma espécie de "casal 20" na Austrália com a cantora Candice Alley, com quem teve dois filhos.
Há três anos, eles se separaram de forma penosa, e o ex-nadador entrou em uma espiral de degradação que envolveu bebida, brigas públicas e dependência a Stilnox, uma pílula para dormir. "Não conseguia dormir de nervoso, e as pílulas se tornaram solução a curto prazo."
Mesmo enquanto se afundava, Hackett negava o vício. Seu pai chegou a contradizê-lo publicamente e assegurou que o filho dependia do medicamento. No fogo cruzado, ele parou em uma clínica de recuperação nos EUA.
"Ir para a reabilitação foi duro, mas ajudou a me conhecer. Hoje estou livre."
O primeiro passo para voltar a ser "aquele" Grant Hackett, que amedrontava e causava admiração até mesmo em Michael Phelps, começa nas piscinas da Rússia.