Bergman faz retrato autêntico do teatro
Filme pouco conhecido do cineasta sueco, 'Depois do Ensaio' vira peça que estreia no Rio com Sophia Reis no elenco
Mônica Guimarães assina a montagem de texto traduzido por Amir Labaki e Humberto Saccomandi
"Pelo visto, enquanto escrevia, toquei em algum nervo doloroso, ou num curso de água subterrâneo. Lianas e ervas daninhas, estranhas, começaram a emergir do meu subconsciente. Como se saíssem da panela de uma bruxa."
Assim o dramaturgo e cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) falou sobre a gênese do filme "Depois do Ensaio" (1984), escrito para a TV e que acaba de ganhar montagem em palco carioca.
Bergman é mais conhecido por filmes como "Morangos Silvestres" e "O Sétimo Selo", ambos de 1957. Mas, antes do cinema, já havia o teatro.
Seu interesse pelo palco começou ainda na infância, aos 11 anos, com teatro de fantoche. "Depois do Ensaio" é uma reflexão sobre vida, teatro e a relação entre os dois.
"É engraçado porque o texto não é cinematográfico, é teatral", reflete a diretora Mônica Guimarães, que também é atriz, professora de teatro e produtora executiva do festival de documentários É Tudo Verdade.
Henrik Vogler (Leopoldo Pacheco) é um diretor de 62 anos que está montando pela quinta vez a peça "O Sonho", do também sueco August Strindberg (1849-1912), que foi um dos maiores ídolos de Bergman.
Numa tarde após um ensaio, Vogler engata uma conversa com sua jovem e ambiciosa protagonista, Anna (Sophia Reis). Num sonho de Vogler ou numa licença poética de Bergman, entra em cena a mãe de Anna, Raquel (Denise Weinberg), uma atriz atormentada que jogou fora seu talento e foi amante de Vogler.
A conversa casual se torna uma enxurrada de confissões e lembranças.
O retrato que surge do mundo teatral é franco e sem retoques. "É uma peça sem herói ou anti-herói. Só humanos. Todos os filmes do Bergman são assim. Nós somos pobres mortais que capengam pela pela vida", diz Weinberg.
Bergman rejeitava todo tipo de truque no teatro. Para ele, o palco era local de encontro do ser humano consigo mesmo. "Depois do Ensaio" tem cenário simples, que simula os fundos de um teatro clássico. A ausência de artifícios foca a atenção do espectador no texto e nos atores.
Reis, que faz sua estreia no teatro, atesta sobre o realismo de sua personagem. "Há muitas semelhanças entre o que eu vivi montando e o que é vivido por Anna. Quando ela pergunta ao diretor por que ele a escolheu para o papel, era o que eu queria saber. Ao mesmo tempo, a peça me dá todas as respostas", diz.
O texto foi traduzido diretamente do sueco por Amir Labaki e Humberto Saccomandi. "Eu assisti ao telefilme rodado pelo próprio Bergman em 1984 e fiquei fascinado pelo mergulho no cotidiano dos que dedicam a vida ao teatro", conta Labaki.
"Gosto muito dessa possibilidade de parar e discutir o ofício. Essa mistureba de paixão, sedução e insegurança que muitas vezes é o teatro. Gostei de abrir a coxia", conclui a diretora.