Crítica - Ficção documental
'Castanha' ganha força nos momentos mais exasperantes
"Castanha" é um filme bem atual, no sentido de trabalhar com personagens reais --o ator e transformista João Carlos Castanha e sua mãe, Celina-- e com a implosão da fronteira entre ficção e documentário.
O diretor Davi Pretto felizmente está mais preocupado em mostrar a rotina dessas pessoas do que imagens impactantes ou dignas de comiseração (ao contrário do que o plano inicial, herdeiro de "Pixote", insinua).
As referências revelam uma cinefilia interessante, e as alusões a filmes e a estilos funcionam como um ingrediente a mais dentro de uma combinação de procedimentos que tem sido usada em demasia nos últimos anos.
A fotografia, por vezes, lembra a dos filmes de Pedro Costa. Há referências ao cinema de Jacques Nolot e a "Morte em Veneza", de Luchino Visconti, pela angústia que domina o protagonista.
Em trechos, o filme fica muito solto, com a câmera movendo-se de maneira arbitrária e os cortes acontecendo aleatoriamente, como parte da proposta de fatiar o cotidiano e inserir partes ficcionais.
Isso pode ser traduzido como preguiça ou cautela excessiva, pois há possibilidades maiores no drama do ator, e quando o filme se abre a essas possibilidades fica mais interessante.
Há momentos de gravidade das situações em que o diretor se sai muito bem. Os momentos mais tristes, exasperantes, escuros, são de longe os mais fortes.
Em compensação, os piores são os que mostram tela de computador (é muito difícil uma tela de computador ficar bem no cinema).
Ficção e documentário coexistem no filme, mas nem sempre em harmonia. É obstáculo inerente à proposta. Davi Pretto consegue contorná-lo, mas só parcialmente.