Indústria gospel afina receita para criar popstar
Gênero bilionário faz concursos na TV e busca público além do evangélico
Novo disco do campeão de vendas Thalles Roberto chegou ao primeiro lugar do iTunes em um mês
"Vim da doideira, das drogas e sei que preciso de overdose na minha vida. Hoje minha overdose é o Espírito Santo", diz Thalles Roberto, 36.
Se é de excessos que vive o músico, atual campeão da indústria gospel, seus números não ficam atrás.
Seu novo CD, "IDE - Ao Vivo na Igreja Bola de Neve", vendeu 35 mil cópias físicas em 30 dias (a tiragem inicial é de 50 mil, a mesma do novo álbum de Maria Rita e metade do de Ivete Sangalo) e chegou ao primeiro lugar em vendas digitais no iTunes.
Ele foi a maior atração da Marcha para Jesus, que reuniu 200 mil pessoas na zona norte paulistana em setembro. O funkeiro Naldo chegou a subir ao palco para um dueto, mas era o nome de Thalles que o povo berrava.
Quem não quer ser Thalles Roberto? É a pergunta que ecoa no estúdio da Rede Gospel, canal de TV da igreja Renascer em Cristo. Aconteceu lá, em 26/10, a final da segunda edição do "Gospel Singer".
Feito à imagem e semelhança de "American Idol" e "The Voice", o reality show é composto exclusivamente por evangélicos --do júri ao cinegrafista que tatuou o patriarca bíblico Isaac no antebraço que levanta a câmera.
Thalles estava no "Gospel Singer" para, com mais cinco jurados, escolher o próximo... Thalles.
Ou seja, alguém que concilie a fé e o tino comercial desse ex-backing vocal da banda mineira Jota Quest --e que agora nada de braçada num mercado que gera R$ 1,5 bilhão anuais, segundo a gravadora Universal.
Joias, calças justas, jaqueta estilo aviador e óculos escuros. Tal qual um Lenny Kravitz que encontrou Jesus, ele canta, em pegada soul, versos como "o inicio é como o mel, mas o final do adultério amarga/ vai ter que pagar pensão, mó tumulto, meu filho".
Mó tumulto pode ser também a disputa entre músicos evangélicos, que começam a deixar seus templos para frequentar programas de auditório e trilhas de novelas da TV Globo.
"Cada igreja tem um cantor, e cada cantor quer ser um grande cantor", diz Thalles.
Guilherme Bueno, vocalista da banda ganhadora do "Gospel Singer", a Tempo de Adorar, sentiu a pressão.
Fã de Oasis, comemorou a vitória entornando várias Coca-Colas num churrasco. "Tem pastor de igreja grande com artista que não consegue decolar. Aí não apoia quem está dando certo. O único que não tropeçou foi Jesus, né?", diz.
Para quem chega ao estrelato, o desafio é alcançar seculares (como chamam os de fora da religião) sem desrespeitar os "irmãos". "Falamos que Deus entra, tira o amargo do coração. É diferente da música me abraça ali que eu chupo aqui'", comenta Thalles.
"O mercado busca quem tem relacionamento real com as igrejas, pois vem de lá o público", diz Renata Cenizio, gerente da Universal Music Christian, o braço cristão da gravadora de Thalles Roberto.
"A palavra é credibilidade. Qual igreja frequenta? É ativo nela? É boa mãe ou bom pai?", diz André Valadão, do elenco gospel da Som Livre.
Ele faz parte da banda Diante do Trono, uma das mais bem-sucedidas no gênero (3,6 milhões de discos vendidos), mas pouco conhecida fora do gospel. "Quem é de fora acha que falamos de privada, mas é o trono de Deus", ri.
25 TONS DE CINZA
É verdade que a altura das saias está mais perto dos joelhos que do umbigo, e os colares de ouro sustentam crucifixos em vez de cifrões. Mas, das vestes ao repertório entre pop rock e sertanejo universitário, o gospel escapole do clichê do "crente".
"É como música clássica, você não vê mulher cantando de maiô ou shortinho. Mas somos contemporâneos. Faço show de All Star e calça rasgada", diz Valadão.
"É a mesma coisa, só que num tom menor. É como se a gente fosse 25 Tons de Cinza'", compara um pastor, que prefere não se identificar.
Nesse sentido, "Gospel Singer" é uma versão "light" de programas do gênero.
Ao julgar os cinco finalistas entre 2.357 inscritos, o júri ora gosta "da voz, mas não da gravata rosa" de um, ora acha "pouco comercial" o som "meio Zé Ramalho" do barbudo que lembra Edir Macedo.
Tudo sob a bênção da bispa Sonia Hernandes, diz a apresentadora Camila Campos, 29, vice-campeã do programa em 2013: "A bispa é pauleira e extremamente roqueira".