Trecho
Sei que meu pai ainda solteiro morou em Berlim entre 1929 e 1930, e não custa imaginar um caso dele com alguma Fräulein por lá. Na verdade, acho que já ouvi falar de algo mais sério, acho até que há tempos ouvi em casa mencionarem um filho seu na Alemanha. Não foi discussão de pai e mãe, que uma criança não esquece, foi como um sussurro atrás da parede, uma rápida troca de palavras que eu mal poderia ter escutado, ou posso ter escutado mal. E esqueci, como hei de esquecer esta carta dentro do livro, que preciso guardar na fileira do fundo da estante dupla do corredor. Preciso guardá-lo exatamente em seu lugar, pois se meu pai não admite que eu mexa nos seus livros, que dirá neste. Mas ao pé da estante vejo a minha mãe de cócoras, buscando algum título a mando do meu pai. Não há de demorar, pois é ela mesma quem organiza a biblioteca conforme um sistema indecifrável, sabedora de que se ela morrer ele estará perdido. E nem bem ela entra no escritório com seus passinhos ligeiros, carregando quatro volumes grossos aparados no queixo, me apresso a guardar o meu.