Crítica - Romance
é bom
Não há na obra nenhuma palavra mal escolhida nem frase fora do ritmo
Mesmo se não tivesse assinado nenhuma música, Chico Buarque já teria, a esta altura, lugar de destaque na cultura brasileira. "O Irmão Alemão" é o quinto romance que publica, depois de "Estorvo" (1991), "Benjamim" (1995), "Budapeste" (2003) e "Leite Derramado" (2009).
Como nos livros anteriores, encontram-se aqui as qualidades do Chico Buarque escritor. Não há nenhuma palavra mal escolhida, nenhuma frase fora do ritmo, nenhum parágrafo a que falte estrutura ou concatenação, nenhum capítulo que não acabe no momento certo.
De novo, um tom de ironia uniforme, sem tiradas nem saliências, domina a narração, que administra surpresas sem que tudo pareça um truque. O entrecho, sem ter a sofisticação de "Benjamim", é bastante satisfatório.
No começo, pensei que se havia montado uma armadilha óbvia em torno da procura empreendida pelo narrador. O filho do intelectual Sergio Hollander descobre, entre os livros do pai, a carta de uma amante alemã, datada do começo dos anos 1930.
A mulher engravidara do brasileiro, e reproduções de cartas aparecem no livro, de modo a indicar --como se não bastasse a semelhança dos nomes-- que se trata do pai real de Chico, Sérgio Buarque de Holanda, o genitor da tal criança alemã.
Os problemas e as qualidades de "O Irmão Alemão" surgem a partir da transparente película ficcional com que o autor quis revestir o episódio biográfico de seu pai. De um lado, a tensão narrativa ganha bastante com o recurso. Enquanto o narrador sai em busca da antiga amante do pai e do filho que ela teve, o leitor continua se perguntando, até chegar ao fim do livro, se tudo aquilo é realidade mesmo ou pura invenção.
Entretanto, esse mesmo recurso termina revelando os limites de Chico Buarque como ficcionista. Tanto ou mais do que em "Budapeste" e "Leite Derramado", os personagens da história carecem de vida própria.
A mãe do narrador, que não se confunde com a mãe de Chico, tem as características estereotipadas de uma italiana que cozinha lasanhas e exclama "Mamma mia!". Sergio Hollander resume-se a uma sombra que lê, fuma e tosse ("duas vezes", como simbolicamente especifica o narrador) em seu gabinete.
Talvez esse esquematismo dos personagens faça parte do plano. Às voltas com os livros, Hollander mal toma conhecimento do narrador --para nada dizer do irmão alemão--, preferindo outro filho, que, como tantos outros personagens de Chico, será vitimado pela ditadura militar.
Dois traumas políticos distintos --o brasileiro e o da Alemanha nazista-- se equilibram na história, criando uma simetria talvez arriscada, que o autor prefere não explorar diretamente.
A sutileza do toque pode parecer, entretanto, sinal de certa pressa em terminar o livro. Faltam alguns momentos de respiro, de contemplação e reflexividade na escrita, sempre inteligente e bem construída, de Chico Buarque. As palavras estão perfeitas; a música de "O Irmão Alemão", contudo, deixa a desejar.