Crítica - Romance
Homem doce, mas combativo, Oz revisita seu sofrimento por ser visto como traidor
QUANDO MORAVA NO NEGEV, O AUTOR CAMINHAVA E PENSAVA EM COMO O DESERTO NOS LEMBRA NOSSO DESTINO FINAL: O PÓ
LUIZ FELIPE PONDÉ COLUNISTA DA FOLHAA primeira vez que encontrei Amós Oz foi em 1980, quando, saindo do kibutz em que eu morava, ao lado da Faixa de Gaza, fui visitar uma amiga noutro kibutz perto de Tel Aviv, onde ele vivia.
A segunda foi em 1996, por ocasião do bar mitzvah do meu filho em Jerusalém, quando ele me falava da importância de uma tradição. A terceira, em 2000, numa entrevista para esta Folha. Morava no deserto, falava que Deus gosta de multiplicidades e criticava os que existem para consumir.
Sua vida se mistura com a história de Israel: o kibutz como tentativa de superação do modo consumista de viver, a herança cultural concreta como identidade, a urgência da vida, e, como todo judeu, o tormento com a "eleição" e seu personagem principal, Deus.
Um homem doce, mas combativo, e convencido de que só a paz com os palestinos pode garantir o futuro de Israel.
Oz se define como alguém que gosta de contar histórias relevantes. Quando morava no Negev, caminhava e pensava em como o deserto nos lembra nosso destino final: o pó.
MESSIAS
Seu livro "Judas" é uma dessas histórias. Trata-se de um livro sobre traição. Ou melhor, um livro sobre como se deve narrar com atenção a traição. Porque, às vezes, aquele que parece ser um traidor é alguém muito fiel à causa supostamente traída.
O protagonista é um estudante que, arrasado por vários fracassos, abandona sua pesquisa e vai morar num canto de Jerusalém.
Seu trabalho é sobre Judas Iscariotes, que teria sido um fiel discípulo. Ao "trair" Jesus, esperava que ele vencesse os romanos por ser o Messias.
Com sua morte miserável, restou ao "traidor fiel" o suicídio. Diz-se que Oz, neste livro, revisita seu sofrimento por ser visto como traidor, ao defender a existência de dois Estados na região.