Mauricio Stycer
Contra a pirataria
Se não gosto de ver meus textos republicados sem autorização, não posso assistir a séries pirateadas
O noticiário sobre televisão no Brasil trata frequentemente de assuntos indisponíveis ao público brasileiro. Estou me referindo a notícias e análises sobre séries estrangeiras, sobretudo norte-americanas.
Uma parte considerável destas notícias, publicada em revistas, jornais e sites, tem como fontes publicações estrangeiras, um recurso normal no jornalismo. Outra parte, porém, chega ao leitor de forma menos ortodoxa. Sem acesso a determinada série, porque ela ainda não é exibida no país, o jornalista assiste a versões pirateadas do produto para depois escrever a respeito.
A justificativa para este procedimento é o interesse público. Uma vez que determinado programa, mesmo que ainda não disponível no Brasil, está despertando interesse ou discussão entre brasileiros, o jornalismo se sente como que na obrigação de falar a respeito. E, se a única forma de fazer isso é vendo uma cópia pirata, que assim seja.
Entendo esta justificativa, mas não concordo com ela. Ela é semelhante à usada por inúmeros sites comerciais que copiam minhas colunas na "Ilustrada" ou meus posts no UOL e os republicam, à minha revelia, sem que eu seja remunerado por isso.
Sei que esta visão é considerada ingênua, cômica ou mesmo da era dos dinossauros. Mas considero que não há outra forma, para um autor, de combater a pirataria senão evitando qualquer tipo de relação com ela.
Os canais estrangeiros que exibem sua programação na TV paga brasileira também podem contribuir para isso --e muitos estão agindo, diminuindo o intervalo entre a exibição nos EUA e no Brasil de episódios inéditos das séries mais populares.
No caso mais recente, a Fox anunciou que, a partir de fevereiro, vai mostrar novos episódios de "The Walking Dead" apenas um dia depois que eles forem ao ar nos EUA --até então eram exibidos 48 horas depois.
Outra forma de combater a pirataria é por meio da redução dos preços dos serviços à la carte e de streaming de conteúdo audiovisual.
O caso do filme "A Entrevista", ainda que muito peculiar, oferece algumas lições a respeito. O primeiro impulso da Sony Pictures, diante das ameaças que vieram com a ação dos hackers, foi cancelar o lançamento --uma decisão tão desastrada que mereceu críticas até do presidente americano Barack Obama.
Por fim, a Sony acertou a exibição do filme em 331 salas de cinemas "independentes", sem vínculos com as grandes redes que ficaram com medo de mostrar o longa-metragem, como seria de se esperar, em mais de 2.000 salas.
Mais importante, porém, atropelando todas as etapas normalmente envolvidas no lançamento de um grande filme, a empresa decidiu oferecer "A Entrevista" em versão digital nos serviços de streaming.
Os números divulgados após duas semanas são surpreendentes. O filme foi comprado ou alugado mais de 4,3 milhões de vezes, gerando um valor de US$ 31 milhões (cerca de R$ 81 milhões). Já nos cinemas, rendeu algo em torno de US$ 3 milhões (cerca de R$ 7,8 milhões).
O sucesso da versão digital de "A Entrevista", ainda que insuficiente para cobrir os custos da Sony (US$ 90 milhões, ou R$ 234 milhões, se incluídos gastos com marketing), espantou o mercado, mostrando que há um público cada vez maior disposto a pagar para ver filmes em algum aparelho.
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