Crítica música/erudita
Profundos, discos reavaliam obras de autores românticos
Renegados, Oswald, Miguez e Velásquez ganham releituras sofisticadas e poéticas
Conta-se que o compositor Henrique Oswald (1852-1931) não via lugar para si na história da música brasileira. Há, de fato, um preconceito arraigado contra os românticos, que se tornou hegemônico com Mário de Andrade (1893-1945) e os modernistas.
Dois CDs recém-lançados concorrem, entretanto, para reavaliar profundamente as obras de Oswald, Leopoldo Miguez (1850-1902) e Glauco Velásquez (1884-1914).
Em álbum com a BBC National Orchestra of Wales, regida por Martyn Brabbins, o pianista português Artur Pizarro --de sólida formação-- realizou a primeira gravação completa do "Concerto para Piano e Orquestra" op.10, de Oswald.
O CD traz também um interessante concerto de Alfredo Napoleão (1852-1917), português que viveu no Brasil.
Há no concerto de Oswald uma maleabilidade passível de permear os estilos de Mendelssohn (1809-47) e Schumann (1810-56), no primeiro movimento; carregar com toques italianos um "pianismo" proveniente de Liszt (1811-86), no segundo; e flertar com traços de Chopin (1810-49), no terceiro. Soa sofisticado e natural.
AMBICIOSA
No outro lançamento, o violinista Emmanuele Baldini (spalla da Osesp) e a pianista Karin Fernandes interpretam obras de Miguez e Velásquez.
A "Sonata" op.14, de Miguez, é ambiciosa, mas nada tem do wagnerianismo geralmente atribuído ao compositor.
Chamam especialmente a atenção, no entanto, as duas sonatas para violino e piano de Velásquez. Filho de um relacionamento proibido entre um cantor português e uma mulher da alta sociedade carioca, ele foi levado para nascer e ser criado por uma família italiana em Nápoles.
Adolescente, foi aceito como filho adotivo pela própria mãe no Rio. Morreu de tuberculose aos 30 anos.
Sua música é introvertida, cheia de pausas e hesitações. Faz uma leitura flexível das escalas antigas típicas do impressionismo e aponta para uma liberdade não programática, não ideológica, rara na música clássica brasileira, o que o faz um precursor de Almeida Prado (1943-2010).
É preciso conhecer profundamente a música europeia e o Brasil para captar as nuances desse repertório do modo como o fazem Baldini e Fernandes. A alta qualidade musical do registro sustenta uma poética suspensa entre dois mundos, que enfim começamos a compreender.