Filme mostra como casal mentiu sobre autoria de pinturas
Durante décadas, marido da artista se apresentou como o criador de quadros que se tornaram valiosos
Em 'Grandes Olhos', novo trabalho de Tim Burton, diretor busca entender como farsa se perpetuou por anos
"Grandes Olhos", o novo filme de Tim Burton, narra como Margaret e Walter Keane mentiram sobre a autoria de pinturas de órfãs com os olhares estilizados.
Embora Margaret fosse a autora, Keane se apresentou ao público como o criador de quadros que se tornaram valiosos entre os anos 1950 e 1960.
Burton, porém, afirma ter evitado um enredo que desculpasse as escolhas de Margaret, manipulada por um marido abusivo, beberrão e mulherengo em uma época cujo papel esperado de uma mulher era o de dona de casa.
"Ela não pode ser considerada uma vítima dessa relação disfuncional", diz o diretor. "O mais importante é a questão que Margaret fez a si mesma: 'Por que deixei essa união durar tanto tempo?'"
Em 1970, Margaret anunciou à imprensa ser a verdadeira autora das pinturas, assinadas apenas com o sobrenome Keane. Na década seguinte, processou o então ex-marido por difamação.
Indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz em comédia ou musical, Amy Adams procurou a pintora --hoje com 87 anos e dona da galeria Keane Eyes-- para entender por que a mentira se perpetuou.
"Margaret admite ser cúmplice", diz Adams. "E até afirma que, se ela não tivesse mentido, Keane poderia ter sido um ser humano melhor."
Divorciada e mãe de uma filha antes de conhecer Keane, Margaret se convenceu de que as obras seriam menos vendáveis se a autoria fosse atribuída a uma mulher.
"O que ajudou Margaret a contar depois a verdade foi a filha e a religião", diz Adams. Quando se mudou da Califórnia para o Havaí, a pintora se converteu em testemunha de Jeová.
Burton define Walter Keane (1915-2000) como "sedutor e fanfarrão, triste e assustador, um tanto sociopata".
Também indicado ao Globo, Christoph Waltz discorda: "Não faz sentido chamá-lo de sociopata", diz. "A sociedade americana gosta de transformar tudo em patologia."
Waltz trata o seu personagem como um visionário. "Se ele não tivesse entendido as pinturas como mercadorias, as obras e o nome de Margaret seriam hoje desconhecidos."
Keane reagia furioso ao desprezo dos críticos pelas pinturas, consideradas kitsch e figurativas demais. Para contornar a preferência do mercado pela arte abstrata, ele abriu uma galeria em São Francisco, onde vendeu não só os quadros da esposa, mas pôsteres com preços acessíveis.
O marido de Margaret deveu o seu sucesso comercial a mudanças culturais, como o início da transferência do poder dos críticos para os colecionadores e marchands.
Andy Warhol (1928-1987) reconheceu o pioneirismo de Keane na promoção da arte como um produto de consumo massificado. "Eu acho que o que Keane fez é simplesmente formidável", afirmou. "Tem que ser bom. Se não fosse, tantas pessoas não gostariam."