Crítica teatro/comédia
Carisma e veia cômica de Nilton Bicudo são pilar do espetáculo 'A Graça do Fim'
Existem histórias que se dedicam a mostrar como passam os dias, às vezes longos como em textos de Tchékhov. Outras tomam os minutos como unidade de tempo, e o filme "Corra, Lola, Corra" (1998), de Tom Tykwer, pode ser um bom exemplo, com a protagonista correndo para salvar o namorado da morte.
A peça "A Graça do Fim", último texto do dramaturgo e diretor Fauzi Arap, que morreu com câncer em 2013 aos 75 anos, faz-nos sentir o passar das horas. Reflexo de um sentimento da aproximação da morte? Com certeza. Mas também há no caldo espesso da espera outro ingrediente: o isolamento, a solidão.
O protagonista é um velho (interpretado por Nilton Bicudo) que, embora necessite de cuidados, rejeita a presença de familiares, uma decisão preventiva talvez, uma vez que ele considera serem os familiares que não o querem por perto. Entra em cena a figura de um enfermeiro interpretado por Cleiton Santos.
AMBIGUIDADE
O carisma e a veia cômica de Bicudo, dirigido por Elias Andreato também no ótimo "Myrna Sou Eu" (texto de Nelson Rodrigues, que está no teatro Eva Herz), tornam-se outro pilar do espetáculo. Por trás da comédia que amalgama a relação dos personagens, a palavra "graça" surge ambígua, evocando tanto o riso como um alívio derradeiro.
Nesse sentido, o espetáculo não é apenas psicológico, vai se tornando mais sombrio conforme aproxima-se do fim. Músicas entre cenas e ritmo seco afastam o risco da pieguice, mas não a melancolia que se avoluma desde o início, e isso é bom.
Há um pouco de cheiro da naftalina escondido por trás dos móveis, no entanto. Ainda que caracterize um personagem ranzinza, a peça expõe seu discurso contra a modernidade, contra a televisão.