A casa das 30 mulheres
Livro narra a trajetória da cafetina Eny Cezarino e seu bordel em Bauru, um dos principais do país de 1947 a 1983, história que vai virar minissérie
A cidade de Bauru (SP) ganhou notoriedade por saciar a fome de muitos brasileiros.
Lá nasceu o advogado e radialista Casemiro Pinto Neto, que em 1934 criou o famoso sanduíche batizado com o nome do município.
Na década seguinte, Bauru ofereceu ao país outra combinação célebre --pelo menos para muitos homens.
Do final dos anos 1940 ao começo dos 1980, funcionou na cidade do interior paulista um dos principais bordéis do Brasil, a Casa de Eny. O local chegou a reunir 30 prostitutas em seus tempos áureos e seduziu políticos, artistas, fazendeiros e empresários.
Essa história é contada pelo jornalista Lucius de Mello no livro "Eny e o Grande Bordel Brasileiro", reeditado agora pela editora Planeta. Lançado originalmente há 13 anos, o trabalho volta às livrarias no começo de março com texto atualizado. A Planeta lança ainda um e-book com casos inéditos recolhidos pelo jornalista.
Mello, 50, mudou-se para Bauru em 1988, para trabalhar como repórter da TV Globo, e passou 14 anos lá. Assim que chegou, só ouvia comentários sobre Eny, morta um ano antes, aos 70.
"A cidade ainda estava em luto, as pessoas falavam dela com muito pesar. Fiquei muito interessado em saber mais e passei dez anos colhendo material", diz ele, hoje editor do programa "Domingo Espetacular", da TV Record.
Eny Cezarino foi a mulher que virou Bauru de ponta-cabeça. Nasceu em 1917, em São Paulo, numa família de classe média de origem italiana.
A família esperava que Eny se casasse com um militar, mas ela tinha planos bem diferentes. Fugiu de casa e trabalhou como prostituta no Rio e em Porto Alegre, até finalmente chegar a Bauru.
Quando a dona da pensão em que trabalhava decidiu passar o ponto, em 1947, Eny resolveu que era hora de iniciar seu próprio negócio.
Levou ao mundo da prostituição um padrão de qualidade até então raro em qualquer bordel do país.
Selecionava as mulheres a dedo e as controlava com rigor. Comprava roupas de qualidade, pagava sessões quase diárias no cabeleireiro e levava as "meninas" ao cinema para copiarem o gestual de Sophia Loren e Elizabeth Taylor.
O bordel de Eny impressionava ainda por seu aspecto suntuoso. Ocupava um casarão, no trevo de entrada da cidade, de 12 mil m², com 40 quartos, piscina, pista de dança em forma de violão, restaurante e um belo jardim.
"Não havia nada parecido com aquela casa", conta hoje o produtor de TV Guga Oliveira, 70, que passou por lá em uma noitada de 1978. "Era nacionalmente famosa, ia gente do país todo visitá-la, inclusive homens bem poderosos."
Eny era um forte cabo eleitoral e vários políticos foram pedir seu apoio --e de quebra se divertir um pouco.
POR CIMA DO MURO
Um dos casos inéditos do livro traz um fato curioso: a relação de Eny com apresentadora de programas de culinária Palmirinha Onofre, 83.
Palmirinha nasceu em Bauru e passou parte da juventude num sítio próximo ao bordel. Curiosa para saber o que ocorria por trás dos altos muros, ela subia nas árvores para espionar a casa.
O livro conta que Eny ficou impressionada pela beleza e elegância de Palmirinha. Secretamente, sonhava em tê-la em seu grupo de "meninas".
"Sério? Não sabia desse sucesso todo", declarou Palmirinha ao conversar com a Folha. "Eu prefiro a vida que eu levei, o sucesso na TV. Mas acho que cada um deve ser respeitado e ter a liberdade de fazer o que quiser."
Para a população local, Eny possuía um lado demoníaco e outro angelical. Financiou diversas obras de caridade e encontrou famílias para crianças abandonadas.
Ainda é uma presença forte na cidade. O local do casarão, hoje fechado e arruinado, é conhecido por todos como o "trevo da Eny" --um letreiro identificando o bordel permanece de pé.
"Eny é um símbolo de Bauru. Ela merecia uma estátua, por tudo que representou para a cidade", defende o historiador bauruense Henrique Perazzi de Aquino.
O mito de Eny deve ganhar força em breve. Os roteiristas Walther Negrão, Suzana Pires e Júlio Fischer escreveram para a TV Globo uma minissérie sobre ela. As gravações devem começar neste ano.