Exposição reconstrói Hilda Hilst com seus olhos de cão
Em mostra no Itaú Cultural, vida da escritora é contada na '1ª pessoa do singular'
Cartas, rascunhos, fotos, desenhos e outros itens apresentam toda a obra da autora do romance 'A Obscena Senhora D'
"Estes dois livros que estou mandando a você são meus últimos", escreveu Hilda Hilst, no final dos anos 1980, ao editor Caio Graco, oferecendo os originais de "Amavisse" e "O Caderno Rosa de Lori Lamby". "Não penso em morrer, não. Apenas desisto de publicar qualquer outra coisa depois", esclareceu.
O tempo desmentiria a escritora, que ainda lançaria mais de meia dúzia de títulos, mas aquele apelo de momento não convenceu o todo-poderoso editor da Brasiliense. Os dois livros seriam publicados, entre 1989 e 1990, pela independente Massao Ohno.
A carta de Hilda a Caio Graco é um dos 530 itens, entre fotos, cartas, rascunhos, desenhos, fac-símiles e livros, da Ocupação Hilda Hilst, instalada a partir deste sábado (28) no térreo do prédio do Itaú Cultural, em São Paulo.
A rejeição de Caio Graco não aparece na mostra, embora fique subentendida. Hilda falaria do caso em entrevista de 1994: o editor considerou "O Caderno Rosa de Lori Lamby", seu primeiro livro pornográfico, "escabroso".
Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural, diz que a voz de Hilda aparece sem réplica ou explicação em toda a ocupação --com base no conceito de "exposição na primeira pessoa do singular"--, a partir do acervo dela na Unicamp e na Casa do Sol (atual Instituto Hilda Hilst), em Campinas, onde vivia.
"Não vimos necessidade de textos sobre a produção e a história dela. Ela refletia tanto sobre tudo que não precisava de intermediários."
A personalidade da autora também está presente na cenografia, que reproduz cores e materiais da Casa do Sol. Em vez dos sintéticos comuns a exposições anteriores do Itaú Cultural, optou-se por material cru, como linho e madeira, e iluminação baixa.
Para emular o estilo rústico da Casa do Sol, dois tons de rosa foram misturados com areia fina nas paredes da ocupação, que recebeu os retratos que normalmente ficam na sala e nos quartos de Hilda.
Além do "Caderno Rosa", os livros "Qadós" (1973), "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão" (1974), "A Obscena Senhora D" (1982) e "Com Meus Olhos de Cão" (1986) compõem núcleos que apresentam obsessões de Hilda, como criar listas e desenhar.
Um painel lista perguntas presentes em livros da autora --"Como é essa coisa da gente se pensar?", em "Tu Não te Moves de Ti", e "E se eu ficasse eterna?", em "Da Morte. Odes Mínimas", ambos de 1980.
Neste sábado (28), às 12h15, haverá na ocupação leitura de "Com os Meus Olhos de Cão", e, às 19h, do monólogo "A Obscena Senhora D". Às 21h, Zeca Baleiro canta poemas de Hilda no Auditório Ibirapuera.