Grossman narra o que é crescer na guerra
Em romance de 91 lançado agora no Brasil, israelense conta história de menino que ficou 3 anos sem se desenvolver
Opositor ferrenho de Binyamin Netanyahu, escritor cede quando se trata de barrar relações nucleares com o Irã
"É duro afirmar isso, mas Netanyahu está certo em tentar barrar as negociações nucleares entre Estados Unidos e Irã. Ter o Irã como Estado nuclear hoje é perigoso para esta região."
A frase de David Grossman, 61, em entrevista à Folha, de Jerusalém, por telefone, ganha peso pelo fato de o escritor israelense se considerar um ferrenho opositor do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu.
"Eu não quero que Netanyahu ganhe as eleições [no próximo dia 17], e acabo de abandonar um prêmio literário porque ele expulsou membros do júri que considerava anti-Israel. Trata-se de um homem autoritário e pouco democrático. Mas, quando alerta para a ameaça iraniana, preciso concordar com o que diz."
A política e a guerra são elementos centrais de sua literatura. "O Livro da Gramática Interior", obra de 1991, lançada agora no Brasil (leia crítica nesta página), não foge à regra.
REPÚDIO DE CRESCER
O romance conta a história do adolescente Aharon Kleinfeld, filho de uma família de refugiados judaico-poloneses, que por três anos simplesmente para de crescer. A trama ocorre no período anterior à Guerra dos Seis Dias (1967), quando Israel entrou em conflito com uma frente de países árabes.
"A minha adolescência foi parecida com a de Aharon. A ideia de não crescer soa realismo fantástico, mas tem a ver com um repúdio que todos sentíamos pela vida adulta", diz o autor, que também era garoto à época do conflito.
"Se transformar num adulto representa para o personagem o fim do sentimento, o início de uma maturidade que nos obrigaria a um comportamento mecânico."
Grossman perdeu um filho em outra guerra travada por seu país, em 2006, desta vez com o Hizbullah, no sul do Líbano. "Meus livros sempre trataram do contexto dos confrontos na região, mas depois da morte de Uri, creio que ficaram mais duros."
PEDREIROS
O autor conta que escrever em hebraico sempre foi um desafio do ponto de vista literário. "É um idioma que ficou adormecido por muito tempo. Uma língua não falada, vinda da Bíblia, não tinha palavras para descrever uma girafa, um helicóptero, uma expressão sexual", diz.
"Foi seu uso cotidiano e a incorporação dele na literatura que o modernizaram. A beleza do hebraico é que ele está sendo construído. Nós, escritores, somos os pedreiros. E também o Exército, pois é preciso admitir que a guerra também acrescenta coisas novas ao vocabulário."
Grossman esteve no Brasil, durante a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) em 2005, e se diz um admirador da literatura latino-americana, principalmente de Gabriel García Márquez (1927-2014).
DIFERENÇAS
Vivendo agora na periferia de Jerusalém, Grossman está preocupado com a violência da milícia radical Estado Islâmico e com o desequilíbrio que causa à região.
"Depois de décadas de estabilidade, agora sinto que se rompeu algo e que podemos perder tudo o que construímos", avalia.
Quanto às diferenças com o Irã, pensa que podem ser solucionadas tirando inspiração da história.
"O grande povo iraniano, assim como o grande povo israelense, contribuiu muito para o conhecimento e para a cultura da humanidade. Quero acreditar que uma saída pode se inspirar nesse legado."