Crítica /Teatro
'Woyzeck' mostra o poder e a capacidade de resiliência
O "Woyzeck" do ucraniano Andriy Zholdak, que está na programação da MITsp, poderia muito bem chamar-se "Woyzeck Machine".
Livre adaptação para obra fundamental do alemão Georg Büchner (1813-1837), o espetáculo transpõe o original para um momento de estruturas colapsadas, onde o que fala ao público são restos de personagens.
Daí a associação com "Hamlet Machine", do alemão Heiner Müller, texto que apresenta um príncipe dinamarquês em estado de decomposição e transfigura sua amada Ofélia em uma mulher cujo coração é um relógio.
Assim, da história de Woyzeck --homem submetido à opressão da ordem e que, em sua luta contra o cerceamento político põe-se na iminência de um desvanecer moral-- sobra na peça de Zholdak uma espécie de androide lutando para não perder sua alma e a de sua amada.
Pastiche assumido de ficções científicas, a peça se passa no trânsito do século 21 para o 22, com aquários aprisionando corpos que não sentem dor, protagonistas de ações mecânicas.
O que rege essas ações é uma força invisível manifestando-se por trás da iconografia sociopolítica de uma época. Uniformes de militares, bandeiras dos países, fotos de presidentes. Chegou o momento em que o poder exerce-se por meio de uma automação ilógica e resiliente.
O paradoxo é que a literatura distópica vai exaurindo seu posicionamento frente essa capacidade de resiliência do homem servil.
Construído sobre um acúmulo de mídias, o espetáculo permite ao espectador buscar com os olhos. Ainda assim, permanecemos obedientemente sentados, à parte os que abandonam a sessão.
Ademais, composições de imagens precisam de duas horas para passar o recado só quando não estancam o próprio intertexto. A peça exige paciência.