Seguidor vê 'uma crítica serena, que aponta qualidades e defeitos'
É com a frase acima que João Roberto Faria, que foi seu leitor e depois aluno na pós-graduação da Escola de Comunicação e Artes da USP, descreve os textos de Sábato Magaldi no "Jornal da Tarde", agora em "Amor ao Teatro".
Faria é herdeiro direto da geração de Sábato e Décio de Almeida Prado. Assumiu a vaga do segundo, na FFLCH. Aos 62, é agora o vice-diretor da faculdade e talvez a principal referência de crítica acadêmica de teatro, no Brasil, com obras como "Ideias Teatrais" (Perspectiva, 2001).
Folha - Como você descreveria a produção de Sábato Magaldi, como crítico de jornal?
João Roberto Faria - A produção no "JT" impressiona tanto pelo volume, cerca de 2.000 críticas, quanto pela qualidade do julgamento estético. Imagino que, assim como eu, muitos se guiavam pelas suas opiniões. Em geral Sábato fazia uma crítica serena, polida, apontando qualidades e defeitos da montagem, destacando o trabalho dos atores e não descuidando do texto, da iluminação, do cenário e dos figurinos, fiel a seu pressuposto de que o espetáculo teatral é uma síntese de elementos artísticos.
Seus textos eram sempre explicativos, procuravam esclarecer a proposta do encenador, traduzindo para o leitor o modo pelo qual o espetáculo se apresentava. Mas não se furtavam a fazer o julgamento estético.
E como acadêmico?
Como estudioso ligado à universidade, destacam-se a tese de doutorado sobre o teatro de Oswald de Andrade, publicada como "Teatro da Ruptura" [Global, 2004], e seus estudos sobre Nelson Rodrigues, "Dramaturgia e Encenações" [Perspectiva, 1987] e "Teatro da Obsessão" [Global, 2004]. São prova de inegável argúcia crítica.
O primeiro testemunha o pioneirismo do Sábato, ao estudar a obra teatral do escritor modernista pouco depois da encenação histórica de "O Rei da Vela" pelo Oficina. Ninguém havia feito isso. No caso de Nelson, vale lembrar que muitos críticos faziam restrições ao dramaturgo, seja pelas suas afrontas à moral e ao bom gosto, seja pelas suas posições políticas. Mas Sábato nunca se deixou levar pelas leituras superficiais ou ideológicas. Sempre considerou Nelson Rodrigues nosso maior escritor dramático.
"Panorama do Teatro Brasileiro" não é o estudo mais importante de Sábato?
Acho que sua obra vale pelo conjunto. Para escrever o "Panorama", ele teve de superar incontáveis dificuldades, pois não havia ainda pesquisas de peso sobre nosso passado teatral. Conhecia-se pouco sobre os tempos coloniais e o século 19, com respeito aos espetáculos, ao trabalho dos intérpretes, às companhias e seus repertórios. Daí o livro centrar-se na análise da dramaturgia. Seu mérito está na qualidade das interpretações de peças e autores, em páginas que não perderam atualidade, dada a sensibilidade do autor.
O que os escritos de Sábato apresentam de diferente em relação à visão de Décio?
Sobre a cena e a história teatral, há mais semelhanças do que diferenças entre ambos, que tiveram formação literária com base no modernismo de 1922 e formação teatral com base nas ideias modernas de Copeau e Jouvet, fundamentalmente.
Além de compartilharem os mesmos pontos de vista em relação à modernização do teatro no Brasil, eles trabalharam juntos durante muitos anos. Foram colegas na Escola de Arte Dramática e no "Estado", onde Décio fazia a crítica e Sábato o noticiário. Depois, foram colegas na USP. A amizade e a admiração mútua eram do conhecimento dos amigos comuns.
Nelson Rodrigues teria reclamado com Sábato por ele ter se mudado para São Paulo, nos anos 50. O crítico errou ao abandonar o teatro carioca?
Quando vemos a extensa obra que ele escreveu, podemos concluir que a mudança foi benéfica. Vale lembrar que Sábato pôde acompanhar de perto em São Paulo a consolidação do teatro moderno que se dava nos palcos do TBC, do Teatro Maria Della Costa e do Arena. No Rio, como se sabe, a praça ainda era dominada pelas companhias dos grandes astros, havia o predomínio de um teatro mais comercial. A mudança foi boa não somente para Sábato, mas para o teatro em São Paulo, por tudo que ele fez como crítico, historiador e professor. (NS)