Crítica - Festival De Teatro De Curitiba
Produção acerta ao tratar com ironia de caçada a terrorista
Montagem espanhola 'A House in Asia' recria a busca dos EUA a Bin Laden
Segundo o americano Matt Bissonnette, membro do Seal (forças especiais da Marinha dos EUA) que participou da caçada a Osama bin Laden no Oriente, Gerônimo foi o codinome usado pela operação para referir-se ao comandante da Al Qaeda. O registro está no livro "Não Há Dia Fácil".
Essa informação contamina o espetáculo "A House in Asia", peça alegórica decalcada em pesquisas sobre a execução do terrorista em 2011.
Apresentado na quarta (25) e na quinta (26) na programação do festival de Curitiba, o espetáculo do grupo espanhol Agrupación Señor Serrano disseca o episódio, cruzando elementos das duas caçadas.
Assim como Bin Laden, Gerônimo (1829-1909), líder dos índios apaches, passou anos desvencilhando-se de um empenho militar promovido pelos governos mexicano e americano. Comparação infeliz, já acusaram: Gerônimo deixou o papel de bandido para ocupar o de vítima e herói faz tempo, inclusive em versões de filmes estadunidenses.
Mas é justamente de um ponto cego que "A House in Asia" trata, ao povoar, sobre o palco, uma maquete com índios e soldadinhos de brinquedo. Estamos "brincando" em Abbottabad, cidade paquistanesa onde Bin Laden foi morto? Ou no Novo México, território anexado pelos EUA no século 19?
A resposta pode ser um belo "tanto faz". A peça mostra que os mecanismos, sobretudo o discurso do medo, é que permanecem como parte essencial do jogo, de cujo gozo revanchista até o cinema muitas vezes toma parte.
Com a fusão de tempos e de situações, a peça inocula questões sobre a legitimidade de ambas as operações militares, colocando-as como frutos de um imaginário que se expande a partir de uma cultura belicista, de seu impulso nacionalista e dos pretextos dos quais carece para seguir adiante.
Ao fazer uma digressão, inclusive em menções sobre as Cruzadas, às versões da história que há muito impõem a imagem de antagonista aos árabes, o espetáculo despeja todo seu barroquismo em um terreno a princípio confuso, mas pleno de sentidos, como se esse novelo antigo avançasse sobre as novas ações.
O espetáculo se fragiliza, contudo, ao vilanizar, previsivelmente e com radicalismo, o lado mais forte da história, no caso uma nação inteira.
Panfleto antiamericano assumido, "A House in Asia" se esquiva de lembrar o espectador de que mesmo o lado mais fraco às vezes guarda em si a possibilidade de tornar-se ele próprio o agente da opressão, a depender talvez de alguma chance.