Mate-me, por favor
No Brasil para a São Paulo Fashion Week, o pai do punk Iggy Pop, 67, diz que gosta de usar vestidos, relembra seu passado drogado e pede para se apresentar no Rock in Rio
Iggy Pop tem 67 anos e não tem hora para acabar. Grande influência da cultura pop e punk do século passado, Mr. Pop está no Brasil para um evento na São Paulo Fashion Week, que começa nesta segunda-feira (13).
Parte do trio de ferro da cultura underground, ao lado de David Bowie e Lou Reed, ele é estrela do livro "Mate-me Por Favor", publicado em 1997 por Legs McNeil e Gillian McCain (L&PM, R$ 42, 464 págs.), que traça os primórdios e detalha os excessos do punk rock.
Em entrevista exclusiva, Iggy Pop fala por telefone, de um hotel paulistano, sobre moda, música, drogas e pede para cantar no Rock in Rio.
Folha - Olá, senhor Pop. Tudo bem com o senhor?
Iggy Pop - E aí cara, estou bem. Qual é o seu nome?*
Pedro.
Ah, beleza, cara! O que está fazendo agora? Está num banheiro, num escritório? [risos] O que você está vestindo?
O que eu estou vestindo? Estou de camisa de manga longa preta, jeans e botas. E o sr.?
Jeans preto, jaqueta de couro de motociclista e chinelo.
O senhor está em São Paulo para lançar uma linha da marca de óculos Chilli Beans. Como isso aconteceu?
É, pois é. Basicamente, é algo como uma festa. Eles queriam alguém aqui para quebrar coisas [um par de óculos gigantes] e fazer "selfies". Bom, eu gosto de quebrar coisas e tirar "selfies". [risos]
O Lou Reed [músico e amigo de Iggy Pop, morto em 2013] nunca tirava os óculos escuros. O sr. usa também?
Sim, todos os dias porque vivo em Miami [nos EUA] e sou viciado na luz do dia. Ela faz com que eu me sinta melhor. Minha vida foi dura, Pedro, durante muitos anos [risos].
Eu era muito pobre, doente e olhavam para mim de cima para baixo, riam de mim. Então, hoje eu aproveito para ficar sob os raios de sol, de bom humor, usando meus óculos escuros, chinelos e nenhuma outra roupa.
No passado, o sr. costumava usar vestidos. Ainda usa?
Curto usá-los na rua, me sinto engraçado. Gosto de tirar fotos usando vestidos. Sou orgulhoso do meu porte.
Qual foi a maior besteira que já fez na vida?
Bom... Provavelmente uma vez em que eu estava tentando dirigir um Le Mans 1965 pela costa de Malibu, em 1977. Estava tão bêbado que não vi o guarda pedindo para parar. Quando o carro morreu no meio da estrada, tentei abrir a porta e caí de lado. Ele estava com tanta raiva que pegou minha licença de motorista, rasgou em pedaços e jogou tudo no chão. Já fiz várias coisas como essa, como vomitar nas pessoas... Fiz coisas terríveis!
Tem vergonha do passado?
Olhando de fora, como se eu olhasse para mim mesmo, dou risada disso.
Por outro lado, durante muitos anos, quando eu viajava para outros lugares, as pessoas chegavam em mim prontas para me bater, dizendo "Você destruiu minha casa", "Você destruiu meu carro", sem que eu me lembrasse de ter feito coisa alguma.
As pessoas consideram o sr. o pai do punk, às vezes esperam que seja louco, use drogas. O que acha dessa expectativa?
Acho que essa ideia já está datada, é uma ideia de muitos anos atrás. Hoje os jovens estão muito mais conservadores, bom, mas é claro que eles vão fazer coisas.
Eu consumi todas as drogas que as pessoas usam atualmente quando elas ainda eram experimentais. Usei ecstasy quando ainda não tinha nome. Consumi crack quando não existia esse nome. Mas eu não acho que todas essas coisas definem um "lifestyle" punk. Tem mais disso na música eletrônica. É realmente perigoso. Eu usei Special K [uma droga anestésica] em 1970, e quase pirei. Essa é realmente perigosa.
Você destruiu seu corpo durante muitos anos com várias drogas. Como o manteve forte e bem definido?
Eu era um drogado saudável, atlético [risos]. Havia dias em que cheirava cocaína e saía para correr dois quilômetros e meio. Sinceramente, fazia essas coisas por um certo tempo e depois voltava atrás --ia para algum lugar me esconder e só comia, dormia e me recuperava. Fiz isso durante toda a minha vida e finalmente, pouco a pouco, não quis mais fazer essas coisas. Ainda bebo um pouco de vinho, mas faço isso no jantar, então é diferente, você sabe.
O sr. costumava cortar sua própria pele no palco. Por quê? A intenção era chocar?
Não, não tinha nada a ver com chocar. Era uma expressão do meu desconforto e da minha raiva.
Faz isso no palco ainda?
Sempre faço um pequeno corte no corpo quando estou trabalhando. Não é tão ruim como costumava ser. É que sou mesmo um cara estranho.
Qual é sua melhor música?
Oh, Deus. Nesta semana, eu realmente amo "Down On The Street" [do álbum "Fun House", de 1970]. Teria que dizer que minhas favoritas são "I Wanna Be Your Dog" [1969], "Raw Power" [1973], "No Fun" [1969], "Dirt" [1970], "The Passenger" [1977]...
Em setembro, o Rock in Rio comemora 30 anos. O senhor já disse ter ficado com raiva por não ter sido convidado para a primeira edição, em 1985.
[Interrompendo] É, eu fiquei com raiva a minha vida toda porque esses malucos nunca me convidaram, porra.
Por que não convidaram?
Eu não sei! [risos] Eles convidaram o Freddie Mercury [vocalista do Queen, morto em 1991. A banda voltará ao Rock in Rio com o cantor Adam Lambert nos vocais].
Mas o senhor quer tocar no Rock in Rio?
Sim, sim, eu quero! Por favor, Pedro, ponha eles em contato comigo, por favor. [faz voz doce de criança]
Ok, sr. Pop, pode deixar.
Obrigado, Pedro.