Novas receitas publicitárias são desafio, mas não para já
Queda de anúncios na TV ainda não atinge Globo, com faturamento em alta
Como canais dos EUA, emissora tem serviço de vídeo sob demanda, que cobra assinatura, mas não exibe comerciais
A exemplo de HBO e das redes americanas, a Globo já tem seu clone do Netflix, para distribuição de vídeos via internet. A Globo.TV+ também vende ao usuário acesso "quando e como quiser". Cobra R$ 12,90 por mês, contra R$ 17,90 do Netflix.
Começam aí os problemas. Como o Netflix, o serviço vive das assinaturas. Novelas, "realities" e telejornais são oferecidos com o atrativo de serem "sem publicidade, sem anúncios". É nesse sentido que Ken Doctor, do Nieman Lab, diz que a chave, para o futuro da TV, "é encontrar novas receitas para substituir o que está sendo perdido".
Uma perda que, nos EUA, não se restringe à ausência de comerciais na distribuição de vídeo por demanda. "A publicidade na TV tradicional agora mostra sinais de desgaste, tanto em base regional como nacional, embora seja um desgaste lento", diz ele.
No Brasil, a Globo ainda está longe de tal desgaste. Num dos anos mais difíceis para a mídia, o faturamento da TV aberta --capitaneada pela rede-- cresceu 3,5% no acumulado até novembro de 2014, em relação ao acumulado até novembro de 2013, descontada a inflação. Noutro mercado com forte presença do Grupo Globo, a TV paga, o crescimento foi até maior: 24,2%.
Os dados são do Projeto Inter-Meios, que também mostra que entre novembro de 1996 e novembro de 2014, a participação da TV aberta nos investimentos publicitários saltou de 58,6% para 69,23%.
Mas o movimento vai acabar chegando ao país, diz o professor João Paulo Schlittler, da USP: "O modelo de receita publicitária tende a sofrer mudanças radicais. As agências ainda não encontraram o ideal para a internet, mas o 'spot' de 30 segundos tem seus dias contados".
Ele acredita que, "quando isso acontecer, o modelo de negócios que sustenta a TV aberta irá desmoronar". Almir Almas, também da USP, concorda que a reinvenção do modelo é um dos grandes desafios da Globo, mas ressalva que também a TV paga de início "apontava para uma mudança no modelo de negócios, que não aconteceu".
CONTEÚDO
Carlos Augusto Montenegro, que dirigirá o Ibope até o final de abril, quando transfere o controle para o WPP, maior grupo publicitário do mundo, concorda que a publicidade "é um desafio" para o futuro da Globo e da TV aberta, mas diz que o maior está mesmo no conteúdo.
E afirma que no Brasil a TV paga ainda é uma sombra maior para a TV aberta, em conteúdo, do que a internet. Por exemplo, o futebol vive forte disputa, com novos atores de TV paga como Fox e Turner. "Vai ter que pagar alto", diz ele, sobre atrações como a Liga dos Campeões.
Além de futebol e programação infantil, esta em grande parte já abandonada, outras frentes de crescente concorrência para a TV aberta brasileira são filmes e séries, diz o executivo. Arrisca que "talvez um caminho seja investir mais em séries" e, "na Globo, não sei, mininovelas".
O produtor e diretor Roberto de Oliveira, executivo com passagens por Globo e Globosat, pensa diferente e diz que tanto TV aberta como paga ficaram para trás. "Em tecnologia, o futuro já chegou. Não tem mais o que discutir, é 'streaming' [como Netflix e YouTube]. Ele é matador, em distribuição de conteúdo."
Segundo Oliveira, "o 'streaming' aproveita o fato de que a mídia convencional ainda produz como no século passado". As redes, "até pelo ranço da concessão, aquela coisa estável que havia, não inovaram e estão com programação bem convencional".
João Paulo Schlittler, por outro lado, avalia que a Globo, "devido a mudanças do mercado, tem procurado investir em novos formatos". Isso poderia ajudar a emissora no esforço de se posicionar como uma produtora de conteúdo, à maneira da HBO.
Também para José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que esteve na direção da rede entre 1967 e 1997 e hoje comanda uma afiliada em São Paulo, a Globo "é mais parecida com a HBO do que com ABC, CBS e NBC [as grandes redes abertas americanas]", que têm restrições para produção própria e sofrem na adaptação para "streaming".
REDE
Mais do que publicidade ou conteúdo, um outro executivo de TV --que pediu para não ser nomeado-- vê como grande desafio da Globo uma questão mais imediata e concernente à TV aberta: manter o modelo de afiliação, de papel pouco valorizado, mas central, em seu sucesso.
Com a programação chegando agora aos usuários locais diretamente, via internet, cabo ou satélite, a Globo e suas afiliadas precisariam realizar uma mudança no modelo de negócios da rede --o que já parece estar começando, na avaliação do executivo, com um perceptível aumento do espaço para programação regional. (NELSON DE SÁ E FERNANDA REIS)