Carta de Mário vetada por herdeiro tem acesso liberado
Supeita-se que missiva endereçada a Bandeira trate da sexualidade do autor
Escrita em 1928 e no acervo de fundação desde 1978, era a única entre as cartas dos dois ainda desconhecida
A Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio, decidiu liberar na próxima quinta-feira (18) o acesso à única carta de Mário de Andrade para Manuel Bandeira que, presente em seu acervo desde 1978, ainda não tinha sido disponibilizada para o público.
A decisão foi tomada depois que a CGU (Controladoria-Geral da União) deu um prazo de dez dias, a partir do dia 9, para que a instituição disponibilizasse a missiva.
A carta é uma das 15 trocadas entre os dois escritores no intervalo de 1928 a 1935 e que fazem parte do acervo de Bandeira na Casa de Rui, doado à instituição por sua última companheira, Maria de Lourdes Heitor de Souza.
Datada de 7 de abril de 1928, ficava separada das outras, por determinação de Plínio Doyle, então presidente da instituição. Quando o acervo relativo a Mário foi aberto ao público, em 1995, esta carta ficou reservada.
Por duas décadas, a existência do documento foi comentada entre pesquisadores e na imprensa, mas nunca ficou claro o motivo pelo qual ela não fora aberta ao público.
Acredita-se que nela Mário fale abertamente de sua homossexualidade --ele já tinha dado pistas em outras cartas e em textos como o conto "Frederico Paciência".
"Soube dela há mais de 20 anos, nunca mais a vi. Parece que a família pede que continue reservada", disse à Folha em janeiro Júlio Castañon Guimarães, pesquisador aposentado da Casa de Rui, afirmando crer que "seu conteúdo hoje não chocaria ninguém".
Em maio, Carlos Augusto de Andrade Camargo, sobrinho de Mário, disse à Folha que o pedido partiu de Bandeira.
"Quando Manuel publicou sua correspondência com Mário [em 1958, no livro 'Cartas de Mário de Andrade a Manuel Bandeira'], incluiu essa carta, suprimindo trechos e nomes. É uma carta particular, não há necessidade de se dar acesso a ela."
No trecho editado por Bandeira, Mário cita a amizade com um certo "X" e faz uma ressalva: "Se quiser guardar esta carta, risque mas de maneira ilegível o nome que vai nela". A edição não esclarece onde foram feitos cortes.
Nesta segunda (15), Camargo não foi localizado para comentar a liberação da carta.
ACERVOS
Ligada ao MinC, a fundaçãoé responsável pela preservação do acervo de Rui Barbosa e de escritores como Bandeira e Drummond.
O pedido que originou a ordem da CGU foi feito via Lei de Acesso à Informação em fevereiro pelo jornalista Marcelo Bortoloti, da revista "Época".
A instituição relutava em liberar acesso à carta por temer que sua abertura contra a vontade do herdeiro levasse futuros doadores a desistirem de ceder acervos.
Numa resposta à CGU, a instituição disse que a divulgação poderia causar "problemas para o trabalho sério que vem sendo desenvolvido por instituições que tratam os arquivos privados, bem como desavenças na relação de confiança estabelecida durante anos com os depositários de arquivos na FCRB".
No dia 9, após um último recurso da Casa de Rui, a CGU reafirmou decisão tomada em maio. Caso se recusasse a abrir o conteúdo, a Casa de Rui poderia responder por improbidade administrativa.
"Não vemos fundamento para manter a carta fechada até 2015. Foi um zelo, uma interpretação que se tentou associar à questão do domínio público [pela lei do direito autoral, a obre de Mário deixa de ser protegida em em 2016]", disse Ricardo Calmon, diretor executivo da Casa de Rui.