Virtude está no inconsciente humano, diz Platão em 'Mênon'
Nono volume da Coleção chega às bancas no próximo domingo (12)
É possível ensinar a virtude aos homens? Esse é o problema que Platão (c. 428-348 a.C.) discute no diálogo "Mênon", que a Folha publica no próximo domingo (12).
Platão já havia analisado essa questão num escrito anterior, no qual o sofista Protágoras não só defendia essa tese como explicava que todo o nosso sistema penal se baseia nesse pressuposto.
De fato, não se pune alguém porque cometeu uma ação má, pois isso não suprime o passado, mas sim para evitar que ele --ou algum outro-- volte a produzir o mal no futuro. Ora, procedemos assim porque acreditamos que a virtude pode ser ensinada, seja educando quem errou, seja dando exemplo a quem poderia segui-lo.
Questionado por Mênon sobre o mesmo tema, Sócrates --que já aqui desempenha o papel de porta-voz das ideias do próprio Platão-- observa que, antes de saber se a virtude pode ou não ser transmitida pela educação, é preciso descobrir o que ela de fato é.
Mênon expõe então sua concepção de que a virtude é multifacetada: ao homem convém gerir as coisas da cidade e fazer o bem a seus amigos, enquanto à mulher cabe administrar a casa. E assim por diante: cada ator social --a criança, o idoso, o escravo, o homem livre-- possui uma virtude característica.
Mas, se todos esses atributos são virtuosos, retruca Sócrates, eles precisam ter alguma coisa em comum: qual é a virtude que perpassa todas as virtudes? Aos poucos, Sócrates destrói as noções correntes sobre o conceito até que Mênon conclui que ele também nada sabe sobre o assunto.
INCONSCIENTE
O filósofo se dispõe a ajudar seu interlocutor. Nesse momento, Platão expõe --pela primeira vez em sua obra-- sua tese de que a aprendizagem consiste na rememoração de ideias que estão presentes no inconsciente. Aprender significa recordar algo que já existe dentro de nós.
Para demonstrar sua tese, Sócrates passa a inquirir um jovem escravo de seu interlocutor até que ele descubra por si próprio a regra do quadrado da hipotenusa, à luz de uma figura toscamente desenhada.
Graças a esse experimento, Sócrates demonstra que o jovem escravo já possuía uma opinião correta sobre o assunto, mas não uma consciência clara sobre a questão.
Esclarecida a diferença entre o conhecimento consciente (a ciência) e o saber inconsciente (a opinião correta) --que recorda as primeiras formulações de Freud sobre a estrutura da mente humana--, Sócrates retoma sua procura pela essência da virtude.
Ora, se a virtude é um conhecimento consciente, então ela é algo que pode ser ensinado. Mas esse pressuposto é contrariado pelas evidências empíricas: não existem professores da virtude claramente identificáveis. Aqueles que se apresentam como tais --precisamente os sofistas-- se limitam a simular uma sabedoria que não possuem de fato.
Também não existem alunos. Os homens não aprenderam a distinguir o certo do errado com os outros: aprenderam consigo mesmos.
Sabemos agora que as boas ações não se originam apenas do conhecimento consciente, mas também do inconsciente: se alguém tem uma opinião correta sobre um tema, também agirá de forma adequada, ainda que não tenha a clareza que só a ciência pode oferecer.
Assim, os homens virtuosos são guiados pelo inconsciente: eles são capazes de atuar de forma correta, mas não conseguem ensinar a virtude a seus filhos, pois não possuem uma representação nítida acerca do que ela é. Como diria Marx: não o sabem, mas o fazem.