14 anos no porão
Cuba comemora aniversário de 80 anos de dramaturgo lançado ao ostracismo pelo regime em 1968
É a vez de Antón Arrufat, 79. Autor de "La Noche del Aguafiestas" (2000) e "Vías de Extinción" (2014), ele passou 14 anos, entre 1968 e 1982, isolado e impedido de publicar na ilha então governada por Fidel Castro.
Considerado o maior dramaturgo cubano vivo, Arrufat só recebeu reconhecimento décadas depois: em 2000, foi Prêmio Nacional de Literatura (a maior medalha cultural do país), Prêmio de Crítica Literária e Medalha Alejo Carpentier; em 2005, Prêmio Iberoamericano de Contos Julio Cortázar; em 2014, Prêmio de Poesia Nicolás Guillén.
Agora, às vésperas de seu 80º aniversário, no dia 14 de agosto, Cuba se prepara para celebrar os "Ochenta Arrufat", com eventos e edições de 10 livros do autor. A festa é parte do projeto da Casa Editorial Tablas-Arcos, que organiza colóquios em homenagem a escritores da ilha.
Nascido em Santiago de Cuba, Arrufat viveu em Paris, Londres e Nova York. Após a revolução, em 1959, retornou a Havana, onde trabalhou com o escritor Guillermo Cabrera Infante (1929-2005) e o poeta Virgílio Piñera (1912-1979). Arrufat foi o primeiro diretor da famosa revista "Casa de las Américas", de onde foi demitido, entre outros motivos, por publicar um poema gay de José Triana, em 1965.
Em 1968, veio o escândalo do Prêmio da União de Escritores e Artistas de Cuba. O poeta Heberto Padilla (1932-2000) foi premiado pelo livro "Fora do Jogo"; Arrufat pela peça "Os Sete Contra Tebas".
As premiações foram retiradas --e os autores, acusados de traírem os ideais da revolução. Padilla foi preso e interrogado, forçado a confessar seus "erros" publicamente, e depois se exilou. Arrufat ficou no ostracismo até a década de 1980.
Em 1984, voltou a publicar, com o romance "La Cajá Está Cerrada". Em 2007, "Os Sete Contra Tebas" finalmente estreou em Havana.
Artistas e intelectuais cubanos, como Leonardo Padura, viram com bons olhos a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, divulgada em dezembro.
Arrufat, no entanto, apesar de seu histórico pessoal, enxerga a relação entre os dois países com desconfiança: ele nunca chegou a romper com o regime cubano.
Em março, as autoridades da ilha, que centralizam o financiamento de todos projetos culturais, abriram uma brecha para que esses recursos venham de fontes independentes ou particulares (ainda mediadas por uma instituição nacional).
A efervescência cultural continuou em junho, quando a capital cubana recebeu a 12ª Bienal de Havana. Enquanto ela ferve, Arrufat tranquilamente revisa seus manuscritos, que serão publicados até agosto. Nesta entrevista exclusiva, o escritor fala sobre política, literatura e liberdade.
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Folha - Quem é Antón Arrufat?
Antón Arrufat - Sou um escritor. Fui o primeiro diretor da revista "Casa de las Américas" até 1965. Ali publiquei um conto gay e um artigo crítico à URSS. Um dia fui convidado a sair, pois alegaram que não queriam uma revista "literária", mas "política".
Passei a escrever peças para uma companhia de teatro até o escândalo de 1968. Fui considerado "ideologicamente corrupto" e designado para trabalhar na Biblioteca de Marianao, onde fui todas as manhãs, exceto domingos, por 14 anos. Amarrar pacotes de livros com cordas, por oito horas --era esse o ofício.
O que fez nesses 14 anos de silêncio?
Tinha a consciência tranquila. Fui designado para a biblioteca mais distante do centro de Havana. Trabalhava no porão, onde não podia escrever, receber amigos ou visitantes --mas escrevia escondido. Tinha uma máquina de escrever. Nada mais contribui tanto para a inspiração de um escritor quanto a perseguição do Estado.
Não foi uma ironia receber o Prêmio Nacional de Literatura depois de tanto tempo?
Era minha vez. Fiquei feliz com o reconhecimento. A relação entre escritor e Estado não é muito clara, frutífera ou prazerosa. Não é uma relação equilibrada. Além disso, o Estado lida de formas diferentes com autores diferentes.
Padilla foi preso, precisou se "desculpar" publicamente e sair do país. Tornou-se uma personalidade internacionalmente conhecida. Eu fui jogado na biblioteca --e isso é menos atrativo do ponto de vista político e jornalístico.
Historiadores, jornalistas e políticos dedicaram páginas e mais páginas para o caso de Padilla e apenas um parágrafo para a minha história. Meu caso foi mais silencioso, mais lento, mais intenso e talvez mais raivoso. Precisei esperar, resistir por 14 anos. Não guardo ressentimentos. Espero que, no fim, a história me dê razão, pois cumpri com meu dever.
Qual é o papel do escritor?
Na minha opinião, o escritor deve ser o mais livre possível de diversos mundos, dos compromissos científicos, políticos, religiosos. A missão da literatura é durar, sobreviver aos dias, décadas, tempos, como Balzac e Proust.
Como você analisa o atual mercado editorial de Cuba?
Atualmente, há três editoras no país. Estatais, certamente. Isso quer dizer que, se o Estado não aceita um manuscrito, não se pode publicar. Mas acontece algo similar nos países capitalistas, não?
Se o dono de uma editora não gosta ou não acredita que um livro vá vender, não o publica. O processo não é tão difícil quanto em Cuba, mas imagino que haja dificuldade em diversos países. Mas, hoje, a fotografia, a literatura e o teatro, em linhas gerais, podem se expressar livremente.
Considera que há liberdade de expressão na ilha?
A liberdade de expressão está condicionada. Os assuntos ainda são limitados até certo ponto. Mas o escritor precisa se atrever --e a sociedade também.
O governo não prende mais alguém por dizer algo. Quando um escritor de certo nome aborda um assunto antes "proibido", abre-se a discussão à sociedade e o Estado se dá conta de que, sim, é preciso discutir questões desagradáveis.
Um Estado que dá espaço para discutir questões desagradáveis fica mais forte.
O que pensa da abertura diplomática?
Há pontos positivos, mas é perigoso. Na minha opinião, quaisquer relações com os EUA são perigosas. Eles são muito poderosos. O discurso de Barack Obama não é amigável. Nas entrelinhas, ele quer dizer: não conseguimos derrubar a revolução pelo caminho do embargo econômico, agora vamos derrubar por outro caminho.
A revolução fez algumas coisas com nobres intenções, outras com altas pretensões para um país tão pobre, tão pequeno.
O povo cubano já teve muitas desilusões no passado. Não precisamos de outras agora. Só precisamos de uma Cuba livre. É preciso mudar. Mas isso, até agora, quem determina são os "sábios" que estão no poder.