Pascal faz cálculos para apostar em Deus
Décimo volume da Coleção Folha traz gênio da matemática que sofreu crise pessoal
Desde cedo Blaise Pascal (1623-1662) se revelou um gênio da matemática: aos 12 anos escreveu seu "Tratado sobre os Sons" e, aos 16, o "Ensaio sobre as Cônicas"; aos 19, inventou a primeira calculadora e, aos 31, formulou os princípios do cálculo das probabilidades.
Em 1654, porém, após uma crise pessoal, dedicou-se a estudar religião. Dessa época datam seus "Pensamentos", nos quais expressou uma visão trágica sobre a condição humana.
Como ensina Lucien Goldmann, para Pascal "o homem é grande e pequeno": grande por sua consciência, que exige a justiça e a verdade, e pequeno pela insuficiência das forças que dispõe para realizar essa exigência absoluta.
"O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante", diz Pascal. Não é preciso que o universo inteiro se mobilize para esmagar um indivíduo: basta uma gota d'água para matá-lo. Apesar disso, o homem é mais nobre que o universo, "pois ele sabe que morre", enquanto "o universo de nada sabe".
A consciência da morte constitui a tragédia humana: julgar se a vida "vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia", explica Albert Camus. E, diante dela, o indivíduo está absolutamente só, pois Deus não vem em seu auxílio: "Deus quis esconder-se".
A grandeza humana consiste em decidir como devemos viver: a razão é incapaz de nos fornecer provas da existência ou da inexistência de Deus. Que fazer? Estamos no escuro, mas não temos escolha: somos obrigados a fazer uma opção.
Só nos resta, portanto, uma aposta: precisamos apostar toda a nossa existência em uma crença --a de que Deus existe ou a de que Ele não existe. Pascal recorre então ao cálculo das probabilidades: ao apostar sua vida nessa decisão, o homem aposta o finito (pois está condenado à morte) para ganhar ou perder o infinito (a eternidade).
"Pesemos o ganho e a perda escolhendo coroa, que Deus existe", diz Pascal: "Se ganhardes, ganhareis tudo, e se perderdes, não perdeis nada: apostai, pois, que Ele existe sem hesitar". Assim, cabe a cada homem apostar seu destino na crença de um Deus oculto, de que cuja existência ele jamais poderá estar totalmente seguro.
Para Voltaire, o argumento da Aposta é demasiado frívolo diante da gravidade da questão. Para Pascal, o problema não é esse: escolhemos o incerto porque não temos opção. "Se não se devesse fazer nada a não ser pelo certo, não se devia fazer nada pela religião, pois ela não é certa. Mas quanta coisa se faz pelo incerto, as viagens por mar, as batalhas."
A condição humana está, portanto, atravessada pela contradição: o homem engaja a sua existência na busca por um sentido que não está de modo algum assegurado. Mas é exatamente o reconhecimento dessa contradição que dá a Pascal a consciência de que todos os problemas devem ser estudados a partir de sua relação com a totalidade.
Embora tenha retomado reflexões dos antigos, Pascal tinha consciência da originalidade de sua obra: "Não me digam que eu nada disse de novo, a disposição da matéria é nova. Quando se joga a pela, é com uma mesma bola que um e outro jogam, mas um deles a coloca melhor".