Crítica Livro/Coletânea
Obra é vital para fãs de documentário
'A Verdade de Cada Um', organizado por Amir Labaki, reúne textos de cineastas sobre seu ofício
PODE-SE DIZER QUE QUASE TODOS OS TEXTOS TENTAM RESPONDER A MAIS SIMPLES PERGUNTA: O QUE É O DOCUMENTÁRIO?
Se fosse um documentário, o livro "A Verdade de Cada Um" seria um belo "filme de compilação" –em que imagens de arquivo de diferentes fontes são justapostas para que as partes iluminem umas às outras e formem um todo original e revelador.
Organizada por Amir Labaki, fundador e diretor do É Tudo Verdade, principal festival de documentários do Brasil, a antologia reúne textos escritos por 32 documentaristas sobre seu ofício, entre ensaios, depoimentos, manifestos e projetos.
A lista vai de pioneiros (Robert Flaherty, Dziga Vertov) a fundadores de movimentos (Jean Rouch, Robert Drew), de luminares brasileiros (Alberto Cavalcanti, Eduardo Coutinho) a autores que transitaram entre documentário e ficção (Krzysztof Kieslowski, Jia Zhangke).
O olhar do livro sobre o documentário é, portanto, não apenas "de dentro", como também "de mestre" –o que permite ao leitor se afastar de certos sensos comuns, frequentemente reforçados pela crítica, sobre o cinema não ficcional.
BANAL
Embora alguns textos falem de questões específicas, pode-se dizer que quase todos tentam responder, de uma forma ou de outra, a mais simples e menos banal pergunta sobre o gênero: o que é, afinal, o documentário? A julgar por quem o faz, é mais fácil começar pelo que ele não é.
Documentário não é o mero registro da realidade. Não é jornalismo (e, assim como este, não é objetivo, nem imparcial). Não é um braço da antropologia, da sociologia ou de outra ciência social. Não tem obrigação de desempenhar um papel político e pedagógico.
E, claro, não é ficção. Mas, como disse Jean-Luc Godard, "todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário, assim como todos os grandes documentários tendem à ficção. E quem opta a fundo por um encontra necessariamente o outro pelo caminho".
ARTE IMPURA
Para comprovar a frase do cineasta, basta lembrar que "Nanook, o Esquimó" (1922), de Flaherty, considerado o primeiro documentário da história, teve várias passagens encenadas –o protagonista precisou reaprender a usar o arpão, já substituído por armas de fogo, para as cenas de caça.
Vencida a tarefa de entender o que não é um documentário, resta aos autores o desafio mais complexo de determinar o que ele é. Mas, se nasceu como arte impura, o gênero naturalmente resistiu a definições redutoras ao longo do tempo.
No último texto do livro, João Moreira Salles oferece uma síntese satisfatória: "Observada a presença de certa estrutura narrativa, será documentário todo filme em que o diretor tiver uma responsabilidade ética para com seu personagem".
Ele prossegue: "A natureza da estrutura nos diferencia de outros discursos não ficcionais, como o jornalismo. E a responsabilidade ética em relação ao personagem nos afasta da ficção".
Ao longo desse livro já essencial para os amantes do documentário, há outras tantas tentativas de definição do gênero –quase todas permeadas pela sábia incerteza de quem lida com o assunto na prática, não apenas na teoria, e pela generosidade de quem busca alargar um território, não apenas delimitá-lo.
A VERDADE DE CADA UM
ORGANIZAÇÃO Amir Labaki
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 39,90 (288 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom